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triptico

 

Tríptico é uma revista incontornável dos anos 20, a mais vanguardista, do ponto de vista gráfico, de Coimbra, e que durará nove números, publicados entre 1924 e 1925. O seu subtítulo "Arte, Poesia, Crítica" aparenta ser uma explicação do título, já que Tríptico se relaciona com o formato da revista: uma folha dobrada em três.  Existe uma nova série da revista a partir do número 4, em Novembro de 1924. O formato da revista começa a ser mais pequeno a partir daqui, diminuindo para cerca de dois terços do tamanho original.

Coeva de Athena, o seu primeiro número data de Abril de 1924, ao passo que a revista lisboeta apenas saí no outono seguinte. Mas é com Contemporânea que enceta um diálogo logo no primeiro número, e de certa forma são estas três - juntamente a Europa - as revistas mais marcantes da metade da década de 20.

Nesse primeiro número, na página 2, há um longo artigo sobre a escultora modernista Eva Aggerholm mencionando a escultura "La Niña de la Cabellera Grande", que já aparecera então no número 8 da revista lisboeta de José Pacheko (Fev. 1923), elogiando-se ainda o pintor espanhol Vásquez Díaz, um do principais ilustradores estrangeiros de Contemporânea, nomeadamente d'A Scena do Odio, de Almada Negreiros (aí publicada no número 7, jan. 1923).

Já no segundo número fala-se de outras revistas modernistas de Coimbra, nomeamente de Dionisos - que a partir de 1925 iria iniciar uma nova e final série (até 1928) com uma das melhores capas modernistas daqueles anos, da autoria de José Cyrne - e Rajada (1912) cujos quatro números haviam sido precisamente dirigidos pelo mesmo director de Tríptico, o poeta Afonso Duarte.

No terceiro número aparece pela primeira vez um extratexto, que no fundo é uma separata com poemas vários sobre o São João (as fogueiras de S.João) glosados pelos seus colaboradores havituais (Campos de Figueiredo, Tomás da Fonseca, Pascoais...). Nos números seguintes essa folha separada do conjunto de folhas tripartidas apresentará imagens tão díspares quanto uma xilogravura representando Anatole France (4), um desenho-gravura de Teles Machado alusivo ao Natal (5) ou uma gravura de Milly Possoz com enfoque na Vila de Sintra (6).

Também neste terceiro número, na página 6 e como última informação, vem uma nota dizendo publicamente que a redacção havia recebido de Marinetti uma série de manifestos, incluindo um livro intitulado "Les mots en liberté futuriste". A posição da revista é democrática e surpreendente: "Nós não somos futuristas, mas também não pertencemos à categoria dos intolerantes. Todas as ideias dos homens nos interessam." É curiosa esta ligação de Marinetti a Coimbra, dada por Tríptico, na medida em que daí a meses, já em 1925, seria apresentada naquela cidade um manifesto futurista por quatro estudantes da Universidade de Coimbra, entre eles Francisco Levita.

Falando de outras revistas, no número 6, aliás, há ainda uma outra relação ténue que se pode estabelecer com Europa, já mencionada, nomeadamente quando João Gaspar Simões fala do Salão de Outono de 1925, nas Belas Artes de Lisboa, evento decisivo para a arte modernista em Portugal. Europa, no seu primeiro número, gasta várias páginas mostrando os quadros desse evento, nomeadamente o retrato de José Pacheko, director de Contemporânea.  Vale a pena determo-nos aqui. Diz Gaspar Simões, na p.5, que foi com Diogo de Macedo em visita a esse salão e começa por fazer não só o elogio deste seu amigo (sobre o qual já escrevera no número 4), como também o do organizador, Eduardo Viana, passando depois à "doçura mística" de Lino António bem como à "delicadeza" de António Soares. Depois de comparar a pintora Milly Possoz com a argentina Norah Borges (irmã de Jorge Luis Borges) - aliás secundado por Almada Negreiros quando este refere Possoz como "o melhor desenhador do meu tempo" - é a vez de próprio Almada Negreiros ser caracterizado pela sua "fina inteligência." O artigo fecha com a menção da homenagem do Salão aos três pintores malogrados daquela nova geração: Manuel Jardim (de que hoje pouco sabemos), Amadeo de Souza Cardoso e Santa Rita Pintor. As palavras finais do artigo são eloquentes: "Termino comigo próprio satisfeito, visto o ingénuo entusiasmo que de tão longe me levou a visitar o Salão de Outono, ter sido recompensado [...]".

Tríptico é, em suma, uma revista onde convergem as tendências estéticas e as personalidades culturais de outras revistas coimbrãs, que serão decisivas na segunda fase do Modernismo em Portugal, marcado pelo surgimento de presença, também naquela cidade.  

 

Ricardo Marques