Arquivo virtual da Geração de Orpheu

Exílio

 

"Revista Mensal de Arte, Letras e Ciências"

 

Tal como escreveu Teresa Almeida, no estudo introdutório à edição fac-similada desta revista, pode-se afirmar que Exílio se situa entre o Nacionalismo e o Modernismo.

Exílio aponta desde logo para um degredo das letras que o seu editor, Augusto de Santa-Rita, irmão mais arrière-garde e saudosista de Santa-Rita Pintor, tanto cultivava. Os três sonetos que decide incluir na publicação (a grande forma tradicional que abunda em Exílio) misturam essa dupla Religião-Raça que tanto as publicações passadistas de então impuseram. Os títulos são significativos: "Signal da Raça", "Tua Presença" e "Céu". A grande cruz de Cristo que encima a parte gráfica da página de rosto é também simbólica disto mesmo. O texto de Côrtes-Rodrigues, tímido modernista e amigo pessoal de Pessoa, que se intitula "Via-Sacra" vai também neste sentido.

O programa da publicação era claro, aludido logo no primeiro texto - "Sua Justificação", da autoria do seu editor. De seguida, temos um poema de um dos de Orpheu, talvez o menos conhecido do grupo, Alfredo Guisado, escrevendo sob o pseudónimo de Pedro de Menezes. Trata-se de os sonetos "O Mêdo de Satan à noite", verdadeiros hinos à noite, bem à maneira simbolista, com alusão ao vago, e uma descrição lânguida e pesada tão comum nos textos do movimento. A Pedro de Menezes/Alfredo Guisado, vai a revista aludir ainda, via Fernando Pessoa, precisamente no último texto, como que fechando o círculo,

Um dos textos mais importantes de Exílio é precisamente este, da autoria de Pessoa. Nele, desenvolve a sua teoria sensacionista e assina enquanto "poeta sensacionista". Nesse texto final, Pessoa contrapõe duas obras publicadas nesse ano (por Pedro de Menezes e por João Cabral do Nascimento, um poeta do Funchal, monárquico e integralista) mostrando que acaba por ser, cada uma à sua maneira, sensacionista.

Aliás, o poeta de Mensagem colabora aqui como crítico e como autor. Inclui, nas pgs. 13-16 de Exílio, um dos mais importantes poemas do seu primeiro periodo simbolista, "Hora Absurda", datado de 4 de Julho de 1913, e portanto escrito meses antes do aparecimento dos heterónimos (Março de 1914). Porém, quando aqui o publica, já Fernando Pessoa estaria distante desse texto, desenvolvendo a sua teoria paúlica, primeiro dos ismos (depois Interseccionismo e então Sensacionismo). O Sensacionismo, como se sabe, é o último ismo criado por Fernando Pessoa, c. 1915, na sequência de outros dois – Paulismo e Interseccionismo – surgidos nos anos imediatamente anteriores (c.1913-14, 1914-15, respectivamente), e vindo funcionar como ismo aglutinador de todos eles. De forma a podermos dizer que, ainda que estejamos perante um poema sensacionista, a sua filiação estética e técnica tenha mais directamente a ver com o Interseccionismo - um dos seus elementos.

Voltando um pouco ao início, é de notar nesta publicação literária a presença de vários textos que informam da ideia nacionalista: Leite de Vasconcelos, o eminente antropólogo de Etnografia Portuguesa, escreve sobre Numismática Portuguesa, num artigo detalhado e minucioso bem ao seu jeito, já Cláudio Basto (também etnógrafo e colaborar frequente da publicação que Leite de Vasconcelos fundara já em 1889: Revista Lusitana) escreve sobre a morfologia de nomes, com base em freguesias do Minho. Teófilo Braga completa a trindade da ilustre e velha intelligentsia, assinando um artigo histórico sobre as lutas da Restauração, nomeadamente a ligação entre os Braganças e os Jesuítas. Como vemos, os três artigos, logo na sua temática, são paradigmáticos de um certo nacionalismo passadista e ornamentado.

Neste sentido, a colaboração de António Ferro, mais um dos de Orpheu, mostra a presença de um certo tradicionalismo na poesia de então: para Exílio Ferro envia quadras ao gosto popular, musicadas por David de Souza.

António Sardinha é também, surpreendentemente, um dos autores de Exílio. Talvez não tão surpreendente quanto à primeira vista se julgue, se atendermos ao índice e ao que dissemos anteriormente, Alberto Monsaraz, outro eminente integralista, é alvo da dedicatória de "Poente de Nero", um longo poema em duas partes da autoria de um desconhecido (Martinho Nobre de Mello). Trata-se de uma invectiva histórica sobre a história do romano onde se pode ler muito da história recente de Portugal, num claro aviso aos leitores.

Ainda que um pouco arrière-garde, como se referiu, alguns textos parecem querer soltar-se dos grilhões estabelecidos. O melhor exemplo na revista é, para além do texto de Pessoa, a efabulação fantástica que constitui "Memórias d'um Espelho", da autoria de um desconhecido (António Rita-Martins) e dedicado a Almada Negreiros. Aqui, o texto inova pela sua narração algo cinematográfica, vivendo através de flashes analépticos e de imagens da vida de um espelho: um texto imaginativo e singular.

Do ponto de vista visual, Exílio é quase desprovido de imagens. A letra de incipit de cada artigo lembra a iluminura medieval, e a própria capa, a que já aludimos, mostra uma letra estilizada, antiga, encimada pela cruz de Cristo. Tal como noutras publicações periódicas literárias deste período, os clichés começam a ser considerados como forma de ilustração. A meio de Exílio aparece assim um retrato inédito de Guerra Junqueiro, que constitui igualmente uma forma de legitimação da revista. O seu autor, Victoriano Braga, é também o responsável pela crónica teatral (p.44), onde se noticia de resto um facto importante: a inauguração do Teatro República (actual São Luiz) que servirá de palco, no ano seguinte, para a 1ª Conferência Futurista de Almada e Santa-Rita...

Degredo ou Exílio são assim palavras razoáveis quando falamos desta revista. Uma continuidade modernista de Orpheu, com a inclusão de textos das suas figuras mais tímidas e menos inovadoras, mas também um passo atrás, reflexo do gosto e dos valores do seu editor: "Exílio - será finalmente a linda praia em desterro para onde voluntariamente se expatriarão todos os que, independentemente de côr política, confiam ainda no ressurgimento de Portugal pelos novos."

 

Ricardo Marques