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Fernando Pessoa - teoria literária

Esta edição digital de textos de Fernando Pessoa trata o conjunto dos escritos de teorização poética que se encontram no seu espólio e reúne ensaios, comentários, apontamentos, esboços e fragmentos sobre literatura do autor português. Os documentos são transcritos a partir do espólio de Fernando Pessoa à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal, com a cota E3. Quanto aos fac-símiles, são acompanhados de uma lição crítica e de uma transcrição paleográfica, que se encontram disponíveis para download no campo “PDF”.

 

Medium
Fernando Pessoa
BNP/E3, 14-3 – 10
BNP/E3, 14-3 – 10
Fernando Pessoa
Identificação
A Nova Literatura Portuguesa. Defesa e justificação

[BNP/E3, 143 – 10]

 

A Nova Literatura Portuguesa.

Defesa e justificação

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  1. O génio é inadaptação. Portanto nevrose. (Nevrose funda como, no campo dos fenómenos neurasténicos, a psiquiatria, incurável, não a neurastenia, curável.)

Diferença entre génio – que é inadaptação; grande inteligência, que é adaptação fácil e rápida a um grande número de coisas, e a quantas mais, tanto maior; e talento, adaptação organizada a um ou mais géneros de coisas. De aí o facto, de observação análoga, da pouca inteligência de muito homem de génio. |Inteligência e génio são antagónicos, no fundo e na origem.|

 

  1. Mas o génio não é simples inadaptação. Se assim for, não só todo o génio seria nevrose, o que – como vimos – é lógico[1]; mas toda a nevrose seria génio, o que é[2] absurdo.

Que espécie de inadaptação é o génio? Formulou-se já – com mais ou menos consciência – uma hipótese, no sentido de que o génio seria uma espécie de adaptação a coisas futuras; e assim se pronuncia, contra o termo de degenerados, ou de progenerados. Custa a crer que tal hipótese se pusesse. O que seja uma adaptação a uma coisa futura, isto é, a uma coisa que não existe – eis o que é cientificamente incompreensível; cientificamente, e abstractamente, e de todas as maneiras. Qual, cerebralmente, o processo, nervoso ou lógico, de tal adaptação?

 

[10v]

 

É quase impossível a um psiquiatra não ser um charlatão. As infelizes condições da sua ciência a tal o obrigam.

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O que nos interessa é as relações entre a psiquiatria e a literatura. Em geral, elas têm sido infelizes. têm sido de duas espécies. A primeira é a tese psiquiátrica da loucura, ou da nevrose, do génio. Nesta orientação, o livro melhor é o de Nisbet, e o mais célebre o de Lombroso. Assim tinha de ser. Em todos os tempos os charlatães obtiveram mais de pronto a atenção e o interesse das turbas. Seus métodos – de espalhafato e arrojo teórico – lhes garantem a tristeza de tal celebridade.

Falta-me a esquissa, historicista[3], a génese da teoria a que me refiro. Ela está em qualquer trabalho do género, em introdução. Como intuição, a hipótese de que génio e anormalidade mental são parentes ou vizinhos, é de maior antiguidade que a ciência; mas do génio, disse {…}. Na forma chamada científica data, clarividentemente, de uma frase de Moreau (de Tours). “O génio”, disse este, “é uma nevrose”. Sobre tal {…}, assim lançada se ergue a superestrutura da investigação moderna sobre o assunto. Disse já que o melhor livro é o de Nisbet, e que o mais célebre é o de Lombroso. Não há mister dizer mais. Nem é preciso mais, ou tanto, ao progresso de uma |análise|. Iremos directo|s| aos factos. Renovaremos a análise deles à luz do nosso raciocínio. Lograremos, quiçá, melhor compreensão deles que a luz fria dos psiquiatras. 

 

 

[1] lógico /certo\

[2] é /seria\

[3] historicista/ando\

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4394
Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Escritos sobre Génio e Loucura, Edição de Jerónimo Pizarro, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006, pp. 395-397.