Arquivo virtual da Geração de Orpheu

Medium
Fernando Pessoa
BNP-E3, 18 – 26–27
BNP-E3, 18 – 26–27
Fernando Pessoa
Identificação
[Sobre arte]

[BNP/E3, 18 – 26–27]

 

(1) Artes de agrado

(2) Artes de aperfeiçoamento

(por isso se cingiu ao trabalho sobre a matéria, e à actividade do artifício dos objectos úteis) Tornar o útil agradável, eis a base das artes de aperfeiçoar; porque tornar o útil agradável é aperfeiçoar o útil, tornando-o mais útil, fazendo-o servir não só o seu fim directo, que constitui a sua utilidade, mas outro fim, indirecto, que é o de tornar essa utilidade duplamente útil.

A escala é da mais directa agradabilização do útil para a menos directa; da arquitectura, portanto, através da escultura para a pintura.

 

[26v]

 

3) Artes de influenciar. São essencialmente as artes de civilização. O seu fim é transmitir civilização, passar de umas gerações para outras o resultado do trabalho psíquico de cada uma. As artes de influenciar são portanto (a) representativas de resultados civilizacionais, e não de tipos psíquicos;(b) {…}

 

O ideal do artista influenciador é alto na proporção em que ele tem consciência do seu mister, na proporção em que tem consciência do seu papel de influenciador de gerações futuras, e da sua missão de quem deve deixar perenemente aumentado o património espiritual da humanidade.

Os poetas antigos tinham esta consciência; a decadência dela entre os modernos, substituída pela ânsia da popularidade imediata, apanágio finalista das artes inferiores, é um dos mais fortes sintomas da nossa degradação moral[1].

 

 

[27r]

 

Artes de influenciar

 

a) o fim representativo: o artista procura, ao fazer a sua obra, deixar alguma coisa que represente o estado da sua época (?)

b) o fim valorizador: o artista procura deixar alguma coisa que dê valor à sua pátria (ou à humanidade).

c) o fim instrutivo: o artista procura deixar alguma coisa que perenemente mande nas almas.

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Uma obra sobrevive em razão de

(1) sua construção, porque, sendo a construção o sumo resultado da vontade e da inteligência, apoia-se nas duas faculdades cujos princípios são de todas as épocas, que sentem e querem da mesma maneira, embora sintam de diferentes modos;

(2) a sua profundeza psicológica;

(3) carácter abstracto e geral da emoção que emprega. A obra sóbria de emoção tende mais a sobreviver porque a

 

[27v]

 

emoção moderada é característica de todas as épocas, porque os de emoção moderada a apreciam naturalmente; e os de emoção irregular têm a sua média na emoção moderada. De mais a mais, as emoções excessivas variam de época para época; são, portanto, o que há de passageiro em cada uma. As emoções moderadas caracterizam todas; isto é, todas as aceitam, embora algumas, por o que têm de transitório, prefiram que se exagere.

A excessiva compaixão pela humanidade, por exemplo, caracteriza o romantismo. Fora do romantismo, essa emoção não existe. Mas a compaixão nobre pelas dores humanas é um sentimento humano de todas as épocas.

 

Exemplo

|Eliminar a influência da época na emoção, e conservá-lo nas imagens; elevá-lo na parte sentimental, e conservá-lo na intelectual, eis o papel do artista.|         

 

 

[1] moral /(espiritual)\

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2348
Classificação
Literatura
Arte
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 31-33.