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Fundo
Mário de Sá-Carneiro
Cota
Esp.115/4_15
Imagem
Carta a Fernando Pessoa
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta a Fernando Pessoa, enviada de Paris, a 31 de Dezembro de 1912.

 

 
 

12

Paris – Ano de 1912

Último Dia

 

Meu querido amigo,

Você vai perdoar-me. À sua admirável carta, à sua longa carta, eu vou-lhe responder brevemente, desarticuladamente. É que no instante actual atravesso um período de «anestesiamento» que me impede de explanar ideias. Este anestesiamento resume-se em levar uma vida oca, inerte, humilhante – e doce contudo. Outros obtêm essa beatitude morfinizando-se, ingerindo álcool. Eu não; procedo de outro modo: saio de manhã, dou longos passeios, vou aos teatros, passo horas nos cafés. Consigo expulsar a alma. E a vida não me dói. Acordo momentos, mas logo ergo os lençóis sobre a cabeça e de novo adormeço. No entanto quero que esta letargia acabe. E fixei-lhe o termo para justamente de hoje a uma semana...

O estudo de si próprio é magistral – um documento que eu preciosamente guardarei, do fundo d’alma agradecendo-lhe a prova de amizade e de consideração que com ele me deu. Creia que as minhas palavras não podem traduzir a minha gratidão. Um dia belo da minha vida foi aquele em que travei conhecimento consigo. Eu ficara conhecendo alguém. E não só uma grande alma; também um grande coração. Deixe-me dar-lhe um abraço, um desses abraços aonde vai toda a nossa alma e que selam uma amizade leal e forte.

Respeitantemente ao Santa-Rita, a minha opinião difere muito da sua e da do Veiga Simões: Não me parece um caso de Hospital mas – vai talvez pasmar – um caso de Limoeiro... Pequeninas janelas abertas na sua vida, nos seus pensamentos, fazem-me ver unicamente: hipocrisia, mentira, egoísmo e cálculo cujo somatório é este – todos os meios são bons para se chegar ao fim. No entanto creia que foi pouco feliz na escolha desses meios: o cubismo e a monarquia...

É na verdade uma personagem interessante, mas lamentável e desprezível.

O «Homem dos Sonhos» está em meio. Mas ultimamente não tenho mexido nele. Há lá uma frase nova. Diga-me o que pensa dela: «Decididamente na vida anda tudo aos pares, como os sexos. Diga-me: conhece alguma coisa mais desoladora do que isto de só haver dois sexos?» (a frase é pouco mais ou menos esta). Depois o Homem descreverá a voluptuosidade dum país em que há um número infinito de sexos, podendo-se possuir ao mesmo tempo os vários corpos.

Por todo este mês terminá-lo-ei. Rogo-lhe porém que me diga se devo incluir esta nova ideia da diversidade dos sexos ou não. Não se esqueça disto na sua próxima carta.

Afinal o Ph[iléas] Lebèsgue, depois de me enviar o livro dele com a amável dedicatória que você viu aonde se lia que do Princípio se falaria pormenorizadamente no Mercúrio, limitou-se a acusar a recepção do volume... Aliás, este último n.º do Mercúrio fala de você e por isso vou-lho enviar amanhã.

Brevemente escreverei uma verdadeira carta. De novo lhe suplico perdão e lhe agradeço profundamente todas as suas amabilidades.

Um grande abraço.

o Sá-Carneiro


Sublime ainda que «porca» a frase do Pascoais!...

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5253

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre 2 folhas lisas e sobrescrito.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1912 Dez 31
Notas à data
Inscrita: "Ano de 1912 / Último dia"
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Paris
Palavras chave
Nomes relacionados
Santa-Rita
Alberto da Veiga Simões
Philéas Lebèsgue
Teixeira de Pascoais

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115/4
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.