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Paris – Ano de 1912
Último Dia
Meu querido amigo,
Você vai perdoar-me. À sua admirável carta, à sua longa carta, eu vou-lhe responder brevemente, desarticuladamente. É que no instante actual atravesso um período de «anestesiamento» que me impede de explanar ideias. Este anestesiamento resume-se em levar uma vida oca, inerte, humilhante – e doce contudo. Outros obtêm essa beatitude morfinizando-se, ingerindo álcool. Eu não; procedo de outro modo: saio de manhã, dou longos passeios, vou aos teatros, passo horas nos cafés. Consigo expulsar a alma. E a vida não me dói. Acordo momentos, mas logo ergo os lençóis sobre a cabeça e de novo adormeço. No entanto quero que esta letargia acabe. E fixei-lhe o termo para justamente de hoje a uma semana...
O estudo de si próprio é magistral – um documento que eu preciosamente guardarei, do fundo d’alma agradecendo-lhe a prova de amizade e de consideração que com ele me deu. Creia que as minhas palavras não podem traduzir a minha gratidão. Um dia belo da minha vida foi aquele em que travei conhecimento consigo. Eu ficara conhecendo alguém. E não só uma grande alma; também um grande coração. Deixe-me dar-lhe um abraço, um desses abraços aonde vai toda a nossa alma e que selam uma amizade leal e forte.
Respeitantemente ao Santa-Rita, a minha opinião difere muito da sua e da do Veiga Simões: Não me parece um caso de Hospital mas – vai talvez pasmar – um caso de Limoeiro... Pequeninas janelas abertas na sua vida, nos seus pensamentos, fazem-me ver unicamente: hipocrisia, mentira, egoísmo e cálculo cujo somatório é este – todos os meios são bons para se chegar ao fim. No entanto creia que foi pouco feliz na escolha desses meios: o cubismo e a monarquia...
É na verdade uma personagem interessante, mas lamentável e desprezível.