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Fernando Pessoa - teoria literária

Esta edição digital de textos de Fernando Pessoa trata o conjunto dos escritos de teorização poética que se encontram no seu espólio e reúne ensaios, comentários, apontamentos, esboços e fragmentos sobre literatura do autor português. Os documentos são transcritos a partir do espólio de Fernando Pessoa à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal, com a cota E3. Quanto aos fac-símiles, são acompanhados de uma lição crítica e de uma transcrição paleográfica, que se encontram disponíveis para download no campo “PDF”.

 

Medium
Fernando Pessoa
BNP/E3, 14C – 85
BNP/E3, 14C – 85
Fernando Pessoa
Identificação
Milton.

[BNP/E3, 14C – 85]

 

Milton.

 

Desde Addison que se tornou lugar comum a atribuição a Milton, como sua qualidade principal e distintiva, a sublimidade. Achamos o termo infeliz, por exigir explicação. A explicação que exige é que o sublime de Milton é o sublime do pensamento, o sublime intelectual e não o sublime do sentimento, como em por exemplo Camões (que é destituído do sublime intelectual) e em Byron. Por isso julgamos notar mais explicitamente numa palavra o característico principal e distintivo de Milton quando dizemos que esse é a majestade. Com efeito, sublimidade dá a entender (talvez por defeito geral dos entendedores) um não |sei| quê de rasgado e de espasmódico, entre delirante e coerente; é pois palavra própria a insinuar[1] o sublime do sentimento, que não o da ideia. Ora em Milton a ideia é, quando não sublime, geralmente solene, vasta e {…}. O sentimento – isento dos rasgos e ímpetos que constituem o sublime nesse género – é solene também, é grave e placidamente grande. Não tem vôos como a ideia, mas tem, como ela o característico que ela em seus vôos não abandona – essa solenidade e vastidão. Achamos nós que a isto cabe melhor a palavra majestoso que a palavra sublime. No termo majestade englobamos pois a essência |indiscriminada|[2] do génio de Milton.

 

[85v]

 

Um dos elementos do extremo patético falta a Shakespeare. O sublime é a alma do seu sangue, e o sublime, por sublime ser, afasta-se um tanto do humano. Um relâmpago que num momento de horror nos revela cenas dolorosas, comoventes fá-las confranger, apavorar-nos. É precisa a luz de sol – destituída da |subitidade|[3] do relâmpago para no-las mostrar não confrangentes e apavoradoras, mas apenas comoventes, mas simplesmente dolorosas. O relâmpago alia a sua natureza àquela das coisas que mostra: o sol também. Assim o génio cuja natureza é o puro sublime transfigura tudo em sublime; o génio cuja natureza é o suave, o belo antes que o sublime, apresenta tudo {…}. As coisas tristes são mais tristes quando o seu elemento suave se {…}. As mesmas coisas tristes podem ser elevadas a sublimes mas o que ganham no elemento aflitivo (que |é| o elemento sublime) da tristeza, perdem|-no| no elemento suave (que é o seu elemento belo).  

 

 

 

[1] insinuar /sugerir\

[2] |indiscriminada| /inanalisada\

[3] |subitidade| /sublimidade\

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/3240
Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Rita Patrício, Episódios - Da Teorização Estética em Fernando Pessoa, Braga, Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho, 2008, pp. 369-370 [cf. Rita Patrício, Episódios - Da Teorização Estética em Fernando Pessoa, Vila Nova de Famalicão, Húmus, 2012, pp. 403-404].