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Fundo
Fernando Pessoa
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BNP-E3, 19 – 15–15a
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A Imoralidade das biografias
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
A Imoralidade das biografias
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[19 – 15–15a]

 

A Imoralidade das biografias

 

O génio, o crime, e a loucura provém, por igual, de uma anormalidade, representam, de diferentes maneiras, uma inadaptação ao meio. Se repousam, porém, sobre um igual fundo degenerativo, se o génio constitui, de per si, uma espécie nosográfica – são coisas que não sabemos. Manifestação especial de epilepsia larvada, como precipitadamente quis Lombroso, ou manifestação {…} de uma diatese degenerativa, o certo é que o génio é, de sua natureza, uma anormalidade.

 

Sucede que a imaginação simplista das multidões não destrinça de instinto entre o que na personalidade do homem superior constitui, ou representa, superioridade, e o que nela resulta da[1] |concomitante|, ou intercorrente, anormalidade psíquica, patentemente tal. No fundo, esta intuição espontânea é justa. Na personalidade tudo se liga, se interrelaciona. Não podemos “separar”, salvo por um processo analítico conscientemente truncador da realidade, na personalidade de Goethe, por exemplo, a modalidade

 

[15ar]

 

específica da sua ideação literária e a tendência alucinativa que, como se sabe, obriga à autoscopia externa; nem podemos separar na personalidade de Shakespeare a intuição dramática de, por exemplo, a inversão sexual.

 

A grande multidão de fascinados inferiores, incapazes de criar e de {…}, falhos de inibição e de senso crítico, na impossibilidade de {…}, com razoável[2] êxito (salvo um declarado delírio de grandezas) imitar os poemas de Musset ou os de Verlaine, podem contudo, com maior aproximação, plagiar ao primeiro o proto-cocktail gigantesco com que se embriagava quotidianamente, e ao segundo a sua incurável vagabundagem e amoralidade de degenerado típico. Quem não pode fazer versos como Baudelaire pode, porém, tingir os cabelos de

 

[15av]

 

verde como aquele desgraçado[3] uma vez se lembrou de fazer. A prática da pederastia, embora nem sempre fácil ou comoda, é contudo mais fácil que a produção de uma segunda Salomé.

 

As biografias dos grandes homens realizam hoje, no sentido inverso, o que entre os homens da Renascença realizou a leitura de Plutarco. Cria um mimetismo {…}

 

O fenómeno dá-se, bem sei, não só com os grandes homens, mas também com os grandes néscios. Plagia-se a “grande vida” como os grandes homens. Mas como a elegância seja, em parte, uma função de determinados {…} prazeres no resto parte de uma educação social especial, dotada quase de nascença, {…}

 

[15v]

 

Muito indivíduo que, se não for a preocupação literária, podia exercer competentemente, no lugar de absoluto amanuense, ou empregado de escritório á outrance, perde-se no beco sem saída de se publicar Oscar Wilde pela pederastia, ou de se promover a Baudelaire pela quantia incessante de blagues mais ou menos inaceitáveis.

 

Não vêem que o que é no homem superior a inadaptação à época da sua intuição do futuro, é no degenerado a mera inadaptação ao meio; que a ânsia de celebridade do génio é a ânsia de passar aquilo para que nasceu, ao passo que a do {…} não passa de um fenómeno histérico.

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  1. Edge & Sons, Ltd.

Bolton, Lancashire

Dummer Dies – Booklet and patents.

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United Chemists’ Association Ltd.

Re “Stallox” etc.

 

[1] da /de\

[2] razoável /sensível consciência de\

[3] desgraçado /infeliz\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2461

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
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Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
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Proprietário
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Publicação parcial: Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 133-135.
Publicação integral: Fernando Pessoa, Escritos sobre Génio e Loucura, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006, pp. 441-442.
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