[19 – 15–15a]
A Imoralidade das biografias
O génio, o crime, e a loucura provém, por igual, de uma anormalidade, representam, de diferentes maneiras, uma inadaptação ao meio. Se repousam, porém, sobre um igual fundo degenerativo, se o génio constitui, de per si, uma espécie nosográfica – são coisas que não sabemos. Manifestação especial de epilepsia larvada, como precipitadamente quis Lombroso, ou manifestação {…} de uma diatese degenerativa, o certo é que o génio é, de sua natureza, uma anormalidade.
Sucede que a imaginação simplista das multidões não destrinça de instinto entre o que na personalidade do homem superior constitui, ou representa, superioridade, e o que nela resulta da[1] |concomitante|, ou intercorrente, anormalidade psíquica, patentemente tal. No fundo, esta intuição espontânea é justa. Na personalidade tudo se liga, se interrelaciona. Não podemos “separar”, salvo por um processo analítico conscientemente truncador da realidade, na personalidade de Goethe, por exemplo, a modalidade
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específica da sua ideação literária e a tendência alucinativa que, como se sabe, obriga à autoscopia externa; nem podemos separar na personalidade de Shakespeare a intuição dramática de, por exemplo, a inversão sexual.
A grande multidão de fascinados inferiores, incapazes de criar e de {…}, falhos de inibição e de senso crítico, na impossibilidade de {…}, com razoável[2] êxito (salvo um declarado delírio de grandezas) imitar os poemas de Musset ou os de Verlaine, podem contudo, com maior aproximação, plagiar ao primeiro o proto-cocktail gigantesco com que se embriagava quotidianamente, e ao segundo a sua incurável vagabundagem e amoralidade de degenerado típico. Quem não pode fazer versos como Baudelaire pode, porém, tingir os cabelos de
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verde como aquele desgraçado[3] uma vez se lembrou de fazer. A prática da pederastia, embora nem sempre fácil ou comoda, é contudo mais fácil que a produção de uma segunda Salomé.
As biografias dos grandes homens realizam hoje, no sentido inverso, o que entre os homens da Renascença realizou a leitura de Plutarco. Cria um mimetismo {…}
O fenómeno dá-se, bem sei, não só com os grandes homens, mas também com os grandes néscios. Plagia-se a “grande vida” como os grandes homens. Mas como a elegância seja, em parte, uma função de determinados {…} prazeres no resto parte de uma educação social especial, dotada quase de nascença, {…}
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Muito indivíduo que, se não for a preocupação literária, podia exercer competentemente, no lugar de absoluto amanuense, ou empregado de escritório á outrance, perde-se no beco sem saída de se publicar Oscar Wilde pela pederastia, ou de se promover a Baudelaire pela quantia incessante de blagues mais ou menos inaceitáveis.
Não vêem que o que é no homem superior a inadaptação à época da sua intuição do futuro, é no degenerado a mera inadaptação ao meio; que a ânsia de celebridade do génio é a ânsia de passar aquilo para que nasceu, ao passo que a do {…} não passa de um fenómeno histérico.
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Re “Stallox” etc.
[1] da /de\
[2] razoável /sensível consciência de\
[3] desgraçado /infeliz\