(1839-1894)
Walter Pater, na sua compilação de ensaios e artigos críticos sobre arte, Studies in the History of the Renaissance (1873), propõe um renascimento de valores estéticos totalmente opostos aos valores da Inglaterra vitoriana. Na sua célebre conclusão, sugere que a vida deveria ser uma procura contínua de prazeres e experiências intensas: “To burn always with this hard, gem-like flame, to maintain this ecstasy, is success in life”. Wilde, tal como outros da sua geração, iria desenvolver mais tarde os ideiais artísticos de Pater e englobá-los no movimento esteticista da “arte pela arte”.
Pessoa tinha uma cópia de The Renaissance na sua biblioteca, numa edição de 1915. Traduziu de um de seus ensaios o célebre trecho “La Gioconda”, que publicou na revista Athena em 1924. Alguns textos pessoanos, em especial os de Álvaro de Campos, revelam uma forte atracção pelo culto da beleza e da intensidade que Pater defendeu. Em palavras inspiradas na conclusão de Pater, Campos afirma que ‘é preciso [...] crear todos os prazeres, os mais artificiais possível, os mais estúpidos possivel, para que a chama atraia e queime.’ (Pessoa por Conhecer, p. 345). Campos revela também uma forte tendência esteticista quando escreve que a arte deve ser divorciada da moralidade, e que, como Pater defende, o único critério da crítica deve ser o prazer criado no leitor ou espectador: “é obra de arte tudo aquillo que produz uma emoção de prazer independentemente de satisfação, utilidade ou verdade” (idem, p. 473). Há várias referências a Pater nos textos críticos de Pessoa, como por exemplo nos seus ensaios (ortónimos ou atribuidos a Campos) sobre António Botto e o esteticismo.
O esteticismo de Pater influenciou também o paganismo de Pessoa. Orietta del Bene sugere que as raízes do anti-cristianismo pessoano possam ter-se aprofundado no período escolar em Durban, em que Pessoa contactou com a obra de Pater, cujo pensamento em matéria de artes plásticas apresenta estreitas analogias como o do poeta (Orietta del Bene, ‘Vivências de Walter Pater em Fernando Pessoa’). Jorge de Sena avança que os 35 Sonnets sintetizam o neoplatonismo intrínseco ao pensamento profundo de Pessoa, devendo muito à doutrinação de Pater (v. “Fernando Pessoa e a literatura inglesa”). António Feijó vai ainda mais longe, sugerindo que os heterónimos pessoanos podem ser encarados como a actualização do seu paganismo, cujo modelo se encontra na descrição da arte clássica grega tal como é apresentada no ensaio de Pater sobre Winkelman, em The Renaissance (v. “Alberto Caeiro e as últimas palavras de Fernando Pessoa”).
Outro potencial ponto de contacto entre Pessoa e Pater, ainda por estudar, é poder dizer-se que os dois poetas viveram mais plenamente na escrita do que na sua vida quotidiana. Apesar de seus ideais, escandalosos para a época, Pater levou uma vida pacata e sem grande interesse biográfico. Quando Wilde, seu principal discípulo, soube que Pater tinha morrido, respondeu que desconhecia que ele tivesse vivido; Henry James, na mesma altura, afirmou que Pater fora “the mask without the face”. A mesma ideia, em relação a Pessoa, foi proposta por vários críticos pessoanos - mais explicitamente, talvez, num ensaio de Jorge de Sena intitulado “The Man Who Never Was” (1977).
BIBL.: Sena, Jorge de, “Fernando Pessoa e a literatura inglesa”, Estrada Larga, Porto: Porto Editora, 1958; Bene, Orietta del, “Vivências de Walter Pater em Fernando Pessoa”, Ocidente, LXXIV, 1968; Feijó, António M., “Alberto Caeiro e as últimas palavras de Fernando Pessoa”, Colóquio de Letras, 155-6, 2000
Mariana de Castro