(1888 – 1940)

 

 

Dramaturgo, tradutor e crítico de teatro.            Ginasta de mérito, introduz o futebol amador entre nós. Faz moda. Como fotógrafo amador, retratou Guerra Junqueiro e Fernando Pessoa, para além dos nus de Almada. A sua escassa produção de teatro assenta numa construção convencional, mas eficaz, do enredo e insere-se na linha naturalista de análise psicológica e crítica social. As primeiras peças, escritas entre 1908 e 1918, foram representadas pela Sociedade Artística, companhia residente do Teatro Nacional: A Bi (escrita em colaboração com J. Vasconcelos e Sá) em 1911, Octávio, em 1916, e O Salon de Madame Xavier, em 1918. Na década de 1920 estreia, no Teatro Politeama, A Casaca Encarnada (1922), produção da Companhia de Lucília Simões, com cartaz de Almada Negreiros; no mesmo teatro representa-se, em 1926, a comédia dramática Inimigos, escrita no ano anterior, protagonizada por Ilda Stichini e Raul de Carvalho. Entre outras peças, menos destacadas pela crítica, contam-se Lua-de-Mel (Teatro do Ginásio, 1928) e O Conselho da Noite (Chiado Terrasse, 1932).

A sua tradução de O Pequeno Eyolf, de Ibsen, subiu à cena em 1923 no Teatro São Carlos. Fez alguma crítica teatral na revista De Teatro, que publicou, no primeiro número, em 1922, O Salon de Madame Xavier.

Com Octávio inicia-se um dos motivos caros ao teatro de Vitoriano Braga, o casamento de conveniência. Não foi, porém, este motivo que dividiu opiniões e provocou uma reacção desfavorável da crítica e a breve carreira do espectáculo. O tema da peça resulta da sua forte componente erótica, desenhada em Octávio e Graça, e nele especialmente: dandy, músico e doente – o actor deve «deixar perceber […] a grande diferença que está persuadido existir entre si e todos» (rubrica do I acto) –, que lembra motivos anteriores do esteta, até na blague, e antecipa traços do singular decadentismo dos anos de 1920 na homossexualidade discreta mas evidente e na exaltação do artista. Octávio não é, porém, um tipo, como acontece a muitas figuras do teatro de Vitoriano Braga; a complexidade desta personagem insinua-se no ambiente, nas palavras como nos silêncios, na música de cena, onde o sexteto para o baile do I acto contrasta com a pequena peça para órgão «com uma melodia de sabor gregoriano» expressamente escrita por Luís de Freitas Branco (Alexandre Delgado, Ana Teles e Nuno Bettencourt Mendes, Luís de Freitas Branco, Lisboa: Editorial Caminho, 2007) talvez para o final do II acto.

A obra foi apreciada por Fernando Pessoa, que se propunha editá-la na Olisipo (c. 1922), com A Casaca Encarnada e O Milagre. Para além disso, Octávio foi motor do ensaio «Sobre o Drama». Na reflexão sobre o ideal dramático da modernidade, afirma: «é no campo da intuição psicológica, no conceito do psiquismo individual, que a cultura científica produziu, na mente do dramaturgo, porque na de toda a gente culta, resultados novos e notáveis. […] Para mim, o valor capital do drama Octávio, o que o torna, a meu ver, notável entre a multidão nula das peças modernas, seja de que nação forem, é que, por acção [de] um seguro instinto, ele é orientado exactamente no sentido que a cultura moderna impõe como o caminho do dever artístico.» (Páginas de Estética, p. 87).

A Casaca Encarnada, protagonizada por Erico Braga e Lucília Simões, foi talvez a sua obra mais aplaudida. No ambiente actual da derrocada económica e do arrivismo do pós-guerra, põe em cena a crise moral da sociedade num tom onde se misturam o realismo, o sentimento e o sarcasmo. Nesse ano, a revista Contemporânea dedica-lhe um artigo, onde Oliveira Mouta distingue entre o profissional de teatro e o esteta: «Disse-nos Vitoriano Braga, seu autor, que esta peça, a que não dá, dentro da sua obra, o primeiro lugar como realização do que ele entende por sua directriz dramatológica, a escreveu no intuito de conciliar a minoria intelectual com a maioria emotiva da plateia. Esta tentativa – já anteriormente exercida na sua outra peça O Salon de Madame Xavier – trouxe-lhe, com os aplausos, o natural desvio da sua objectividade inicial marcada com o Octávio, onde Vitoriano Braga se afirmou como artista, entre as palmas discretas da minoria, e a insensibilidade do grande público, que ficou ante a obra como um cão diante dum palácio. A partir desse instante, Vitoriano Braga entendeu que não era esse o caminho para rapidamente atingir o profissionalismo […] e desapareceu o artista para dar lugar ao ‘homem de teatro’. Eis como ele venceu sendo vencido» (vol. I, nº 1, Maio 1922).

A obra de Vitoriano Braga foi editada, com um estudo, por Duarte Ivo Cruz (Vitoriano Braga. Teatro Completo. Com peças inéditas, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999).

 

 

José Camões

Maria Jorge