Arquivo virtual da Geração de Orpheu

Medium
Fernando Pessoa
BNP/E3, 14-4 – 3
BNP/E3, 14-4 – 3
Fernando Pessoa
Identificação
[Sobre Orpheu]

[BNP/E3, 144 – 3]

 

A nova corrente literária portuguesa, que há algum tempo se tem vindo esboçando, sem contudo se reunir e se concentrar, apareceu agora em revista, Orpheu. Não é fácil dar em poucas palavras ideia do que sejam os princípios basilares, extraordinariamente novos e perturbadores, desta corrente literária. Partindo em parte do simbolismo, em parte do saudosismo português, um pouco também, sem dúvida, do cubismo e do futurismo, esta corrente consegue, porém, realizar uma novidade, e através das várias modalidades apresentadas pelos seus diversos poetas e prosadores, pouca relação parece ter com as correntes de que parte. O primeiro número de “Orpheu” é quase que um manifesto. O que interessa é a flagrante originalidade da corrente literária, quer seja nos estranhos e {…} poemas de Sá-Carneiro, quer nos, mais suaves e menos {…} de Alfredo Guisado, Ronald de Carvalho e Cortes-Rodrigues, quer no curioso e doentio drama estático de Fernando Pessoa, “O Marinheiro”, quer nos graciosos e {…} “Frisos” do desenhador Almada-Negreiros, quer nas assombrosas composições com que o volume fecha – essa obra-prima do futurismo que é a Ode Triunfal de Álvaro de Campos, que tem o ruído de uma fábrica ou de um boulevard, e que por certo só podia ter sido escrita num delírio de febre que, por um prodígio de arte, conseguisse constantemente equilibrar os seus desvairamentos naturais.

Seja como for, é de um extraordinário interesse a nova corrente literária portuguesa, assim revelada; se, ao que parece, ainda muito está para aparecer, temos que ter os olhos sobre Portugal, mais do que sobre outra nação, para ver surgir a nova arte que, através de tentativas frustes e blagues parisienses, há tanto tempo a Europa espera.

 

Parecendo-se em certos pontos com o simbolismo, em um ou outro com o “saudosismo” português (onde há um esboço de acção literária absoluta), e até, em alguns, com o cubismo e o futurismo, a nova corrente portuguesa é contudo, qualquer coisa diferente de todas estas e mais nova e complexa de que qualquer delas. A princípio o que mais estranho parece é o modo-de-expressão dos novos poetas e prosadores portugueses, que, quebrando com todas a normas tradicionais, estão criando um novo modo-de-expressão.

 

[3v]

 

Curioso fenómeno o que se está passando em Portugal. Não é da política que se trata agora, mas sim: da literatura. Surpreendeu-nos agora a revista Orpheu.

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O facto é que não sabíamos que em Portugal existisse este movimento. Mesmo em Portugal, cremos, muita gente o não saberá, ou, antes, não o saberia, porque agora ninguém tem o direito da ignorância.

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Estes novos poetas e prosadores portugueses falam como que uma outra língua, um português complexo, estranho, estranhamente colorido e fantasiado. Não há que se lhe compare modernamente. É uma espécie de gongorismo sóbrio e explicável.

 

O que sairá deste movimento? Criou adeptos, não há dúvida; e é contudo muito recente ainda.

 

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hoje estes

  1. Artigo sóbrio, sério, enumerando os colaboradores e esboçando o movimento.
  2. Artigo menos sóbrio, falando principalmente da corrente,
  3. Artigo falando levemente da revista e como que admirado.
  4. Artigo ao género dos 3 mas mais sóbrio e breve.

 

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4578
Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Escritos sobre Génio e Loucura, edição de Jerónimo Pizarro, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006, pp. 392-393.