Arquivo virtual da Geração de Orpheu

Medium
Fernando Pessoa
BNP/E3, 14-2 – 47
BNP/E3, 14-2 – 47
Fernando Pessoa
Identificação
[Sobre literatura e psiquiatria]

[BNP/E3, 142 – 47]

 

As relações da psiquiatria com a literatura não têm sido felizes. Fora o livro de Nisbet sobre a Loucura do Génio (Quote title in note), o trabalho psiquiátrico tem sido fortemente eivado de superstições científicas e de indisciplina intelectual. Algumas obras, como a de Nordau e de Lombroso, pertencem ao charlatanismo científico. As inúmeras outras, que se têm escrito – monografias no género, como o Poetas e Pintores de Rilhafoles do sr. Júlio Dantas, nem chegam a constituir charlatanismo.

 

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 A obra literária e artística pode legitimamente, como efeito, ser objecto de análise psiquiátrica. O que é preciso é nunca elevar a análise psiquiátrica a critério estético. Perante uma obra literária, o psiquiatra nunca deve esquecer que é só psiquiatra, e não crítico literário. Renasce a velha tese da arte moral. Antigamente atacava-se tal obra de arte porque era imoral e o ataque falava da obra como se assim a ferisse esteticamente. Por uma confusão mental o critério moral era erigido em critério estético abusivamente.

 

[47v]

 

Os psiquiatras modernos – por uma questão de indisciplina mental – caíram no mesmo erro. Elevaram o critério psiquiátrico a critério estético. Tendo descoberto que tal autor era doido, chamaram à sua obra má; quando a única afirmação científica que poderiam fazer é que esse autor era doido, e mais nada.

Lembra um pouco a resposta de Pope àquele lexicógrafo inglês que exprime, num processo, como testemunha da parte contrária. Trata-se de {…}

 

{…} Johnson’s Lives of the Poets, {…})

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 Um louco pode produzir obra disciplinada e coerente. O caso de Auguste Comte é típico. Num estudo sobre Antero de Quental, o sr. António Sérgio insere outra pergunta oportuna: {…}

 

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A ignorância e incompetência dos nossos críticos, a incultura e a estupidez do nosso público, a indisciplina mental e o charlatanismo científico dos nossos pretensos homens de ciência – neste meio caiu “Orpheu”.

 

 

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Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Escritos sobre Génio e Loucura, Edição de Jerónimo Pizarro, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006, pp. 393-395.