Arquivo virtual da Geração de Orpheu

Medium
Fernando Pessoa
BNP-E3, 19 – 14
BNP-E3, 19 – 14
Fernando Pessoa
Identificação
[Sobre arte]

[19 – 14]

 

Em arte tudo é lícito, desde que seja superior. Não é permitido ao homem vulgar ser anti-patriota, porque não tem mentalidade acima da espécie, e a não pode ter pois acima da espécie imediata, que é a nação a que pertence. Ao génio é permitido. Sucede, por ironia, que os grandes génios são em geral conformes com os sentimentos normais: Shakespeare era intensamente, até excessivamente, patriota.

 

Um génio anti-patriota é um fenómeno, não direi vulgar, mas aceitável. Um operário anti-patriota é simplesmente uma besta. Um génio {…}

 

O homem da espécie não pode ter opiniões, porque a opinião é do indivíduo, e desde que um homem pertença organicamente a uma família, a uma classe, a qualquer coisa que constitua ambiente imediato e vivo, deixa de ser um indivíduo para ser uma célula qualquer. Só a nação, por ser um ambiente abstracto, visto que tem parte no passado e parte no futuro, não estorva a alma individual.

 

O problema da protecção aos artistas, ou qualquer problema parecido, não existe em relação ao homem de génio, cuja vida mental é uma coisa à parte e que passa, em geral, incompreendido na sua época, ou, pelo menos, incompreendido naquilo mesmo que é nele génio.

 

Devem proteger-se e defender-se os artistas, os escritores que têm que viver da sua pena, e esses nunca são os homens de génio. O homem de génio é produzido por um conjunto complexo de circunstâncias, começando pelas hereditárias, passando pelas do ambiente, e acabando em episódios mínimos da sorte. 

 

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Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 132-133.