[BNP/E3, 103 – 48–49]
VIII
Feito assim o esboço psicológico da nossa actual poesia no que respeita à sua estética e à sua metafísica, resta concluir aproximadamente qual deva ser a resultante social das forças da Raça cujo primeiro assomo à tona da realidade ora e apenas se está fazendo nessa, citada, poesia. Melhor dizendo, qual será a criação social a que vai chegar a alma da Raça, por enquanto no seu início de despertar e revelada apenas, por isso, na sua forma directamente espiritual, a literatura?
Só muito informemente, por razões que já expusemos, essa criação social, em seu género e especialidade, é antevisível. Mas se é antevisível de algum modo e até certo ponto, de que modo e até que ponto o é? – Determinada a metafísica da nova corrente, queda revelado definitivamente, em sua essência última e central, o que essa corrente espiritualmente é e representa. Vimos que essa corrente se traduz por um metafisismo claramente definível como transcendentalismo panteísta: resta saber o que dá o transcendentalismo panteísta posto em tendência social. Daqui não resultará claramente definida qual essa criação social – como ficar definida ao raciocínio se ainda se não definiu nas almas? – mas resultará ficar atingida na sua fisionomia longínqua.
Sendo o transcendentalismo panteísta um sistema essencialmente envolvedor de uma fusão de elementos absolutamente opostos, segue-se que a criação resultante da nova alma lusitana deverá envolver, em seu resultado definitivo e último, o estabelecimento de qualquer nova fórmula social onde uma fusão dessas se dê. Uma rápida análise, aqui eliminada, determina facilmente que o que o raciocínio permite profetizar que a futura criação social da Raça portuguesa será qualquer coisa que seja ao mesmo tempo religiosa e política, ao mesmo tempo democrática e aristocrática, ao mesmo tempo ligada à actual fórmula da civilização e a outra coisa, nova. Inútil será apontar quão flagrantemente esta dedução vaga e precisa decorre da constatação já feita sobre o carácter fundamental, metafisicamente patente, da alma lusitana. Igualmente inútil deve ser notar quanto essa futura fórmula deve distar do cristianismo e, especialmente do catolicismo, em matéria religiosa; da democracia moderna, em todas as suas formas, em matéria política; do comercialismo e materialismo radicais na vida moderna, em matéria civilizacional geral. E, finalmente, é da mesma inutilidade acrescentar, acentuando e especializando a sua divergência da democracia, que as formas extremas ou perturbadas desta – anarquismo, socialismo, sindicalismo – serão varridas para fora da realidade, mesmo do sonho nacional; os humanitarismos morrerão ante essa nova fórmula social, de portuguesa origem, mais alta, provavelmente, em sentimento religioso do que outra qualquer que tenha havido, mais rude e cruel talvez em prática social do que o mais rude militarismo comercialista. Console-nos isto desde já, no meio de ver, de leste a oeste de Portugal, a nossa sub-humanidade política e a nossa proletariagem humanitariante. Tudo isso, que afinal é estrangeiro, morrerá de per si, ou à boca dos canhões do nosso Cromwell futuro.
E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova,
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que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo de que os sonhos são feitos. E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante-arremedo, realizar-se-á divinamente.
Por inútil para a conclusões sociológicas que unicamente buscamos nesta série de artigos, abandonamos a intenção de fazer o estudo exclusivamente literário da nova corrente poética portuguesa, estudo esse prometido no princípio deste artigo. Ninguém perde com isso.