Iniciativa teatral de António Ferro que tomou forma em 1925 no foyer do Palácio Tivoli, em Lisboa, espaço adaptado por José Pacheco e composto por uma plateia de 250 lugares e uma ordem de camarotes. De existência brevíssima, o Teatro Novo apresentou apenas duas produções, entre 2 e 29 de Junho, ambas escolhidas por António Ferro do repertório de sucesso parisiense que vira no ano anterior: Knock ou a Vitória da Medicina, de Jules Romains, traduzido por Luís Figueira, em cartaz de 2 a 15, e Uma Verdade Para Cada Um –  Così è (se vi pare) –, de Luigi Pirandello, de 25 a 29, em tradução de Teresa Leitão de Barros. O primeiro destes espectáculo teve telão de Mário Eloy e colaboração cenográfica de Leitão de Barros, José Pacheko e Almada Negreiros. O segundo contou com telão e cenários de Eduardo Malta. A encenação de Knock esteve a cargo de Joaquim de Oliveira, que interpretou o protagonista, e a de Uma Verdade Para Cada Um foi da responsabilidade de Gil Ferreira, também ele intérprete. Ferro escolheu, pois, para o seu Teatro ensaiadores e primeiras figuras no elenco do Teatro Nacional, a quem o Comissário Santos Tavares e o Administrador da Sociedade Artística desse teatro, Augusto Pina, deram licença e salário para colaborarem no Teatro Novo.

A ideia fora apresentada na Ilustração Portuguesa em 21 de Janeiro de 1922, num artigo, não assinado, que propunha um lugar onde «a grande Arte tenha um ritual, [...] um Teatro-Arte, onde não vá o público, onde vá apenas uma elite, trezentos, quatrocentos, quinhentos devotos», Acompanhava o artigo um esboço de planta, da autoria de José Pacheko, para um teatro a construir no Parque Eduardo VII, exposto no Salão de Outono desse ano.

Adiado para sempre esse projecto, António Ferro lança de novo a ideia em Janeiro de 1925, data em que inicia uma campanha publicitária através de artigos alheios e entrevistas em vários jornais de Lisboa. A Tarde, a 28 desse mês, publica o artigo «Uma boîte em Lisboa no género do Vieux Colombier e de outras
casas de espectáculo parisienses», em que o autor, anónimo, fingia ter ouvido uma conversa no café Martinho, às 9 da noite, entre um artista, um «jovem autor dramático, atrevido e com iniciativa» (António Ferro) e um «terceiro indivíduo que não sabemos quem seja». Dias depois, João de Castro Osório, ainda um oculto membro da direcção do Teatro Novo, retoma a apresentação do projecto com paráfrases e encómios, no Diário de Notícias. José Pacheco não é mencionado; apenas dois desenhos seus ilustram o artigo. É a Ferro que todas as glórias cabem: « António Ferro vai ser (auxiliado pelos mais inteligentes empresários dos teatros de Lisboa) o realizador deste sonho de todos os novos — um teatro em que se tenta criar a obra dramática que a nova civilização exige». Tomando por modelo o Vieux Colombier, Ferro há-de reservar-se o papel de Antoine e partilhará com Lino Ferreira o de Astruc. Em Março, a Contemporânea anuncia a iniciativa como Teatro de Vanguarda. O meio jornalístico era-lhe propício, pois fazia crítica de teatro desde 1919 – actividade que haveria de suspender em 1931, meses antes de integrar o governo da União Nacional – e obtivera nome com a polémica estreia portuguesa da sua peça Mar Alto em 1923, que acabara por ser proibida no dia seguinte suscitando, assim, apoios de vários quadrantes ideológicos. O que apresentava agora era a ideia de um teatro-boîte, «um teatro de intimidade», inspirada nos teatros de Paris, como projecto de renovação artística do teatro português. Continuava, como a proposta anterior, a ser um teatro de elites («a sala não comportará mais do que trezentos espectadores. É necessário, por isso, elevar um pouco os preços”, Diário de Lisboa, 18/02/1925), que previa um repertório feito de géneros variados: «Comédias espirituais, delicadas, femininas, interlocutadas com peças de avanço teatral e com revistas do mesmo tipo” (A Tarde, 28/01/1925). A propaganda apropria-se de técnicas teatrais. Dos velhos rituais lisboetas, o Teatro Novo retém o da toilette, transposta do palco para a sala em noites de estreia e ante-estreia por convite.

Em Fevereiro, revelava os seus apoiantes: os amigos Leitão de Barros, João de Castro Osório, Celestino Soares e Eduardo Schwalbach, que deu nome à ideia; os críticos teatrais Artur Portela e Jorge de Faria; os jornalistas José Sarmento, Joaquim Manso e Álvaro de Andrade; o Comissário do Governo para Teatro Nacional Almeida Garrett, Santos Tavares; o capitalista Ricardo Jorge (Filho) e o empresário Lino Ferreira, então à frente do Teatro Nacional, financiadores do projecto. Destes, Artur Portela, e a direcção da revista De Teatro, iriam distanciar-se do Teatro Novo depois do discurso feito por Ferro na ante-estreia de Knock.

Sem companhia nem encenador, António Ferro, que assumia a direcção artística do seu teatro (a administração estava a cargo de Lino Ferreira, que acumulava a mesma função no Teatro Nacional), ia lançando na imprensa nomes sonantes associados ao seu projecto de modo a credibilizá-lo e valorizá-lo: actores como Chaby Pinheiro e Nascimento Fernandes; dramaturgos como Carlos Selvagem, Vitoriano Braga, Alfredo Cortês e Eduardo Schwalbach; autores prováveis ou improváveis como Reinaldo Ferreira, Almada Negreiros, António Correia de Oliveira e Aquilino Ribeiro.

Estas previsões excederam a vida breve do Teatro Novo. De Almada Negreiros, Antes de Começar esteve programado como primeira partede Uma Verdade para Cada Um, não chegando, no entanto, a ser apresentado (teria de esperar até meados do século para se realizar em palco), tendo, em sua substituição, sido apresentados bailados por Florêncio Graça (Francis). Outra obra do mesmo escritor, também anunciada por Ferro para seguir a temporada de 1925, Portugal, não chegou a ter oportunidade de ser estreada, nem de vir a público, em vida do autor.

A par deste desejo de inovação, não eram poupadas críticas ao Teatro Nacional, já desde o artigo de Castro Osório que reconhecia a necessidade de uma «reforma inteligente e larga do Teatro Nacional, não para auxiliar dramaturgos que não têm mais onde representar, mas para criar uma tradição e uma escola». Esta atitude, da parte de quem estava dependente dos recursos que esse mesmo Teatro lhe proporcionava, começa a causar protestos públicos, difundidos na imprensa por vozes como as de André Brun, na revista De Teatro, amigo de Ferro, ou de Avelino de Almeida, crítico teatral de O Século, defensor, ele próprio de uma profunda renovação do Teatro Nacional, que coloca dúvidas  — legítimas, dada a crise financeira que o teatro atravessava — ao modo como Ferro apresenta o seu projecto. O assunto tomou proporções de «caso jornalístico», com inquéritos de opinião à classe intelectual e teatral.

Respostas e contra-respostas continuam até à estreia. O depoimento de Júlio Dantas lançava as mais inesperadas achas para a fogueira: «Para representar as últimas novidades a salinha do Tivoli não chega: não se mete o mundo numa bombonnière. Para só representar peças de rapazes novos, — seria necessário não deixar entrar os cabelos brancos de Pirandello. […] Resta a hipótese do teatro de processos novos. É uma curiosidade, — mas uma curiosidade efémera. Entretanto não deixaria de ser interessante — confesso — assistir amanhã à representação duma peça como a do jovem Bertolt Brecht, Rufo dum Tambor na Noite, com a realização cubista que lhe deu o Kammerspiele de Münich. Eu gosto do cubismo. Gosto de tudo o que me diverte.» (Diário de Notícias, 21/04/1925.).

O ponto final nesta polémica é posto por António Ferro, nu discurso de quarenta minutos, no palco, na ante-estreia de Knock, contra quem se lhe opôs.  A revista De Teatro reage: “António Ferro que pretende ser um novo, escritor de um livro, crítico de há meses, sem passado teatral, com uma obra representada uma vez, antes de abrir o seu Teatro Novo, vem para os jornais arrogantemente, dar conselhos, quase agredir, e chega-se à primeira representação, à avant-prémiére, por convites, e prega uma descompostura a todos os seus convidados que, só por viverem num meio (é preciso dizê-lo) em que a cobardia é colectiva, deixaram que ele acabasse, sem protestarem de viva voz contra o seu exórdio irreverente. […] Ferro sofre da influência do nosso meio político em que os monárquicos e ex-seminaristas adesivos às instituições republicanas são os que, na República, constituem os grupos mais radicais. Ferro quis apresentar-nos a forma mais radical. Sabe o que se chama a isso? Não apreender” (De Teatro, 33, Junho de 1925, p. V, VII, VIII).

A última récita de Knock começa a marcar a desagregação da identidade do projecto. Os danos da polémica começam a fazer-se sentir e Ferro perde progressivamente apoios públicos nos periódicos. O fracasso financeiro não permite a continuação de uma aventura. A 2 de Julho, O Século noticia laconicamente a dissolução da empresa.

Em 1950, Joaquim de Oliveira, que se considerava o arquitecto de Knock, publica O Teatro Novo:  O «Knock». O seu encenador. Memórias. Ensaios. Subsídios para a Técnica e História do Teatro Português, o seu livro de desagravo. No mesmo ano, o Secretariado da Propaganda Nacional publica Teatro e Cinema de António Ferro, onde, entre outros textos, recolhe os discursos sobre o seu novo teatro, o Teatro do Povo.

 

José Camões

Maria Jorge