(1888-1965)

T. S. Eliot e Fernando Pessoa foram poetas que procuraram desenvolver uma teoria crítica como base interpretativa das suas obras. As suas ideias teóricas, além de iluminarem os poemas que escreveram, tiveram uma enorme influência nas abordagens críticas do século XX. Com a sua crítica e poesia, Eliot liderou a batalha no início do século XX contra a literatura romântica e a crítica impressionística. Quis focar a nossa atenção no poema, não no poeta.

Eliot anuncia a sua teoria-chave - a importância da despersonalização literária – no ensaio “Tradition and the Individual Talent”, de 1919, em que escreve que “the progress of an artist is a continual self-sacrifice, a continual extinction of personality”  e “The emotion of art is impersonal”. Descreve a criação artística em termos científicos: para ele, o grande poeta é um catalisador que transforma a experiência pessoal em obra de arte impessoal, apagando no processo qualquer rasto da sua personalidade.  Pessoa concordaria com Eliot em que um poema é essencialmente uma construção dramática e impessoal, e não há que procurar nele qualquer rasto da personalidade do seu autor. 

Nos seus poemas, Eliot adopta diferentes máscaras e utiliza uma polifonia de vozes para fazer explodir conceitos tradicionais de identidade.  O efeito de tantas vozes fictícias é de, no mínimo, distorcer e, no máximo, fazer desaparecer a voz autoral, ou seja, a despersonalização total do poeta: Hugh Kenner intitulou a sua biografia de Eliot The Invisible Poet (1959). A crença de que a persona que “declama” o poema (ou, no caso de Pessoa, o escreve), é sempre uma ficção dramática que não deve ser confundida com o poeta de carne e osso, é de importância fundamental no Modernismo. Se no Reino Unido a teoria foi popularizada por Ezra Pound, desenvolvida por James Joyce e W. B. Yeats, e institucionalizada por Eliot, em Portugal encontrou em Pessoa o seu principal exponente. Adolfo Casais Monteiro defende que Pessoa foi percursor de Eliot neste sentido, pois desde 1915 está já na sua obra a ideia de impersonalidade na criação literária; além disso, com os seus heterónimos, foi ainda mais longe que Eliot em termos de despersonalização (v. ‘Teoria de impersonalidade: Fernando Pessoa e T. S. Eliot’).

Para Eliot, o processo de despersonalização necessita de um “objective correlative”, ou seja, um objecto ou uma situação que sirva de fórmula para uma emoção específica e pessoal, capaz de invocar a mesma emoção de forma universal.   Esta teoria é apresentada pela primeira vez no ensaio “Hamlet and His Problems” (1920). José Palla e Carmo sugere que as máscaras heteronímicas de Pessoa encontram paralelo no objectivo correlativo de Eliot (v. “Uma trindade. Ezra Pound. T. S. Eliot. Fernando Pessoa”).  O conceito pessoano de fingimento, contido nas suas reflexões sobre a obra literária e praticamente consagrado em poemas como ‘Autopsicografia’, também está muito próximo da ideia de de Eliot (v. Maria Vitalina de Matos, ‘O “New Criticism”’, in Introdução aos Estudos Literários, Lisboa/São Paulo: Verbo, 2001, pp. 146-148). 

Pessoa e Eliot nasceram no mesmo ano e foram, em seus respectivos países, os poetas mais influentes da sua geração.  Não existe nenhuma obra de Eliot na biblioteca pessoal de Pessoa – há apenas um pequeno livro sobre a sua poesia – e até à data não foram encontradas quaisquais referências directas a Eliot no espólio pessoano.  É curioso que Pessoa nunca se refira a Eliot quando se refere a tantos outros poetas britânicos da sua geração; é possível que quisesse, por omissão, simplesmente negar a sua influência.

 

Bibl.: MONTEIRO, Adolfo Casais, “Teoria de impersonalidade: Fernando Pessoa e T. S. Eliot”, in O Tempo e o modo, 68, Lisboa,1969; CARMO, José Palla e, “Uma trindade: Ezra Pound, T. S. Eliot, Fernando Pessoa”, Colóquio / Letras, 95, 1987; Daunt, Ricardo, T. S. Eliot e Fernando Pessoa: Diálogos em New Haven, São Paulo, Landy, 2004.

 

Mariana de Castro