Arquivo virtual da Geração de Orpheu

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Z

 

 

O sensacionismo foi o último ismo criado por Fernando Pessoa, na cumplicidade, uma vez mais, do seu compagnon de route, Sá-Carneiro, à semelhança do que aconteceu com outros ismos anteriores, tais como o paulismo e o interseccionismo. Pela sua teorização e prática deixou-se Pessoa entusiasmar bastante, já que ele lhe pareceu ser uma hipótese feliz de conciliação de contrários, ajudando-o a construir uma corrente literária que era, simultaneamente, nacionalista e cosmopolita, neo-simbolista e acolhedora dos ismos de vanguarda. Tendo como princípio fundamental, sentir tudo de todas as maneiras e ser tudo e ser todos, o sensacionismo foi para Pessoa a arte da soma-síntese, como lhe chamou, um todo no qual as partes, mesmo as mais díspares, se harmonizavam, como se de um atanor alquímico se tratasse.

 

Deste modo, o sensacionismo concedia uma abertura a Pessoa que os outros ismos não lhe tinham permitido. Nas inúmeras páginas teóricas que nos deixou sobre esta corrente, disse Pessoa que o sensacionismo admitia todas as outras correntes, assim como a literatura englobava todas as artes, apresentando-se, assim, híbrido e interdisciplinar, quanto à sua natureza. Através do sensacionismo, entendido como uma arte-todas-as-artes que tinha por regra-base ser a síntese de tudo, Pessoa deu continuidade ao seu sonho de um projecto interartes, já iniciado, pouco tempo antes, no momento em que acreditou e teorizou o interseccionismo. Herdeiro do paulismo e do interseccionismo, pelas primeiras interpenetrações de planos, nomeadamente, entre objecto/sensação, paisagem/estado de alma, aproveitando do cubismo a experiência da decomposição da sensação em cubos e outros poliedros e roubando ao futurismo todo o movimento vorticista do sentir, toda a liberdade fónica e onírica da sensação, o sensacionismo constitui-se como uma corrente literária, exclusivamente portuguesa, de uma enorme riqueza e complexidade. De alma absolutamente europeia, cosmopolita, o sensacionismo pretendia ser também uma reacção ao nacionalismo excessivo da Renascença Portuguesa e dar uma continuidade mais renovada ao paulismo, ainda demasiadamente simbolista para poder acompanhar, por si só, o ritmo da vanguarda europeia. Propunha-se, assim ser, à semelhança de Orpheu, a ponte entre Portugal e a Europa.

Entusiasmado, no início da sua criação, com esta nova corrente literária, logo Pessoa lhe procurou um percursor: Cesário Verde; elegeu-lhe o chefe: Alberto Caeiro; separou todo o neo-classicismo que essa atitude continha assim como toda a vanguarda, e distribui-os, respectivamente, por Ricardo Reis e Álvaro de Campos. E, a ele próprio, o ortónimo, reservou-lhe o papel do teórico, do metteur en scène de todo este drama, representado em actos e por personagens diferentes. Entusiasmou o seu amigo Sá-Carneiro a empreender este projecto, uma vez mais, conjuntamente, de tal modo que, na voz de Álvaro de Campos, num texto que se destinava a ser o prefácio para uma Antologia de Poetas Sensacionistas, irá afirmar: «O sensacionismo começou com a amizade entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Provavelmente é difícil destrinçar a parte de cada um na origem do movimento e, com certeza, absolutamente inútil determiná-lo. O facto é que ambos lhe deram início.» (in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Lisboa, Ática, p. 99). Tentou encontrar-lhe possíveis datas de nascimento: nomeadamente, a de 1914, considerando as suas obras publicadas, se bem que o faz remontar a 1912, provavelmente, por ser a data em que inicia a sua correspondência e a sua grande amizade com Sá-Carneiro. Criou-lhe um órgão – Orpheu – a revista porta-voz do nosso modernismo e do sensacionismo, muito em particular. Sentiu o seu movimento ganhar outros adeptos no seio do grupo de Orpheu, para além da sua alma gémea, Sá-Carneiro, e dos seus próprios heterónimos. Tentou projectar além-fronteiras o sensacionismo, como podemos constatar pelas várias cartas escritas a editores ingleses, pedindo-lhes que divulgue este movimento através da publicação da revista Orpheu.

 

Vibrou-o de modo mais efusivo e quase espasmódico, através do Álavro de Campos, sobretudo do Campos-poeta futurista que assina as Odes Triunfal e Marítima e que grita esse vórtice das sensações, essa harmonia alquímica dos contrários, onde o homem e a máquina, Deus e o Diabo, concreto e abstracto, aqui e além, presente e passado, são um só e mesmo modo de sentir a sensação em absoluto. Viveu-o não menos intensamente, mas de modo muito mais tranquilo, através de Alberto Caeiro, o sensacionista puro e absoluto, como foi chamado, o mestre, afinal, no seu ensinamento quanto a não pensar, a sentir apenas as coisas tais como elas são, a saber olhá-las na plenitude da sua pureza. Não quis deixar de disciplinar as suas sensações, logo também o seu sensacionismo, agora pela voz mais dominada e contida de Ricardo Reis, o poeta de formação clássica que ao demonstrar um excelente domínio sob as suas sensações, foi também um pilar fundamental deste movimento. Deste modo, pressentimos o quanto o sensacionismo terá ajudado Pessoa a arrumar a casa das suas sensações, podendo distribuí-las por divisões do eu distintas, consoante os desejos e a natureza de cada uma delas. Pressentimos também a complexidade sob a qual assenta esta corrente literária, talvez excessivamente híbrida, talvez demasiadamente abrangente mas, certamente, cómoda para a experiência heteronímica de Pessoa, para a diversidade dos seus modos de ser/sentir, para acompanhar, de modo coerente, a histeria de ismos que brotavam pela europa, para tentar, enfim, o equilíbrio de uma balança que, ora pendia mais para a tradição nacionalista, ora mais para a vanguarda europeia.

 

Rapidamente Pessoa também compreendeu a relação feliz entre o sensacionismo e a heteronímia: uma corrente literária multímoda que albergava no seu amplo alpendre os estilhaços vários do eu, podendo deste modo fazer corresponder um poliísmo a uma polipersonalidade. Assim pôde sentir, separadamente, como que com almas diversas, o seu drama em gente, não tendo de separar por ismos diferentes os seus heterónimos e outras personalidades literárias, mas pelo contrário, podendo fazê-los convergir numa atitude única, a sensacionista, que dentro de si simultaneamente aproximava e diferenciava os seus diferentes modos de sentir. Acreditou, por momentos, que estaria assim, a salvo, a sua unidade, se bem que desdobrada numa imensa diversidade fragmentada.

 

Nos momentos de maior entusiasmo por este projecto sensacionista, Pessoa dividiu-o em três dimensões: à primeira, fez corresponder o paulismo; à segunda, o interseccionismo e à terceira, chamou-lhe o sensacionismo integral ou fusionista. Neste mesmo esquema das três dimensões do sensacionismo, Pessoa exemplificou cada uma destas dimensões: à primeira, associou o seu poema Hora Absurda e o longo poema de Almada Negreiros, A Cena do Ódio; o sensacionismo a duas dimensões (interseccionista) exemplificou com o seu poema Chuva Oblíqua e um dos contos de Mário de Sá-Carneiro (de Céu em Fogo), Eu Próprio- o Outro; e finalmente, à terceira, apresenta dois textos como exemplo, o seu drama estático O Marinheiro e a narrativa de Sá-Carneiro, A Confissão de Lúcio. Esta tentativa de arrumação do sensacionismo por dimensões diversificadas, correspondentes aos seus ismos anteriormente criados, revela bem a necessidade sentida por Pessoa de organizar internamente a sua nova corrente literária, dividindo-a quanto quer a uma maior complexidade da sensação, quer quanto a um maior ou menor dinamismo ou estaticidade dessa mesma complexidade de sentir. Deste modo, estas três dimensões do sensacionismo corresponderiam a uma crescente complexificação de ismos, de textos, de modos de sentir. Num primeiro nível, estaria então, o paulismo, onde a intersecção entre planos se estabelece na superfície de imagens que se sucedem, tentando objectivar, tanto quanto possível, a sensação, tornando-a esteticamente, visualizável. Versos como «O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas» ou «Minha alma é uma caverna enchida p`la maré cheia», de Hora Absurda (1913) ou ainda, «Sou Narciso do Meu ódio!/ O Meu Ódio é Lanterna de Diógenes», de A Cena do Ódio (1915), revelam bem uma atitude sensacionista onde Pessoa reconhece o seu desejo de materialização do espírito, em sucessivas metáforas que desenvolve, tentando simplificar a sensação.

 

Na segunda dimensão do sensacionismo, o processo já se complexifica um pouco mais. Em plena fase interseccionista, textos como os exemplos apresentados, nomeadamente, A Chuva Oblíqua e Eu Próprio-O Outro, revelam recursos estilísticos (e não só) já mais complexos. Os planos da matéria e do espírito, da paisagem e do estado de alma, perpassam numa, por assim dizer, diagonal difusa, e abrem crateras de sentido diversificadas, analogias em movimento que consentem versos como «E os navios passam por dentro dos troncos das árvores», «Todo o teatro é um muro branco de música / Por onde um cão verde corre atrás de minha saudade/ da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo…» (in Chuva Oblíqua). No caso do conto de Sá-Carneiro, a questão complexifica-se ainda mais, já que este interseccionismo entre vários planos, se situa ao nível do drama da sua alteridade fracassada, nomeadamente, do confronto passional entre um eu e um outro, onde a riqueza de sentir, ganha extraordinários contornos ontológicos.

 

Finalmente, numa terceira dimensão do sensacionismo, a tal designada por integral ou fusionista, os dois exemplos apresentados por Pessoa, O Marinheiro e A Confissão de Lúcio, revelam o limite da complexidade da sensação, num estádio pré-heteronímico. Se bem que se trate de dois textos, sobretudo estilísticamente, muito próximos do registo paúlico (Vide paulismo), até pelas datas em que foram escritos (os dois entre Setembro e Novembro 1913), Pessoa apresenta-os neste esquema como exemplos do mais elevado grau do sensacionismo. De facto, a complexidade de sentir colocada na voz das três veladoras de O Marinheiro, assim como, os diferentes níveis de intersecção turbulenta entre a realidade e o sonho, permitem olhar este drama estático como um fusionismo, em que as três veladoras não são ainda autónomas, mas apenas «vozes à procura de um corpo», na expressão feliz de Teresa Rita Lopes (in «Pessoa e Sá-Carneiro: Itinerário de um percurso estético comum», Colóquio Letras, Lisboa, Fundação C. Gulbenkian, 1968), ou seja, representam a fusão da diversidade de diferentes modos de sentir, do poeta dramático que as pôs em cena. O mesmo poderíamos dizer de A Confissão de Lúcio, narrativa fantástica da efabulação de um eu que se desdobra também em três personagens – Lúcio, Ricardo e Marta -, procurando igualmente as diferentes vozes da dispersão desse eu, na distância construída dos outros de si mesmo.

 

Estes dois textos representariam, assim, segundo o esquema de Pessoa sobre as várias dimensões do sensacionismo, o limite máximo da dificuldade de sentir as coisas de modo plano ou unívoco, abrindo janelas possíveis para a necessidade de autonomizar cada uma das diferentes sensações, vozes interiores, drama de almas que, no caso da poética pessoana, irá ter uma continuidade feliz na criação dos diferentes heterónimos. Em Sá-Carneiro, estas diferentes vozes dramáticas nunca se conseguirão despegar completamente umas das outras, mantendo-se sempre numa tensão permanente, numa não menos feliz criação contínua de personagens-máscaras de si mesmo. Eis a diferença entre o dramaturgo e o actor: o que sabe criar a distância entre si e os outros (de si mesmo) e o que usa o seu próprio corpo para os representar a todos em cena.

 

Deste modo, as duas poéticas, a de Pessoa e a de Sá-Carneiro, representam em absoluto, os princípios e a alma do sensacionismo, tal como, aliás, ambos o criaram: como uma corrente poliédrica, fragmentada na sua unidade, que nada exclui mas que, pelo contrário, tudo consente desde que tenha por regra sentir tudo de todas as maneiras e ser tudo e ser todos. Seria assim, o sensacionismo para Pessoa, enquanto teórico desta corrente literária, um caos harmonioso, uma espécie de poética entendida e entendível como a coerência da incoerência, que em si mesma conseguisse abarcar todas as tendências do início do século XX, todos os diferentes estilhaços de personalidades (as suas, e as dos outros) em permanente rotação de lugares de sentido diversificados.

 

Decorrente de tudo o foi dito até aqui, esperar-se-ia que o sensacionismo não tivesse tido uma existência tão efémera como os outros ismos criados ou adaptados por Pessoa. No entanto, tal não aconteceu. Sobretudo depois do suicídio de Mário de Sá-Carneiro, em 1916, mas também depois de atenuado o espírito das vanguardas europeias neste início de século, depois de proibida a publicação da revista que prometia dar continuidade a Orpheu, Portugal Futurista, em 1917, Pessoa desinteressou-se de dar continuidade à teorização e divulgação do sensacionismo. No entanto, ele ficaria, para sempre, gravado na memória de muitos dos seus versos, nomeadamente, em alguns mais programáticos do mestre Caeiro, tais como, «Eu não tenho filosofia: tenho sentidos» ou «Os meus pensamentos são todos sensações», ambos do Guardador de Rebanhos (respectivamente, II e IX poemas). Ficaria, sobretudo, incorporado na génese e desenvolvimento do seu processo heteronímico, como regra base que ensina que toda a verdade é, afinal, em si mesma, contraditória. Ficaria ainda como o palimpsesto da voz de Caeiro e de versos como A Natureza é partes sem um todo ( in poema XLVII de O Guardador de Rebanhos).

 

Efectivamente, o sensacionismo foi um ismo muito importante para Pessoa e para Mário de Sá-Carneiro, por tudo aquilo que ele representou do sonho partilhado por ambos os poetas de Orpheu, de uma arte que deveria ser absolutamente moderna (diria Rimbaud) por conciliar, em si mesma, toda a tradição da herança nacionalista, ainda muito enraízada na nossa literatura da época, e todo o apelo de um cosmopolitismo, sangue novo, que fluía por toda a Europa. A abertura de uma corrente literária que admitia todas as outras, funcionava como uma espécie de perfeita poligamia literária que, pelo seu espírito libertador e pagão, não condenava as aparentes infidelidades cometidas. Assim, caberia dentro desta atitude sensacionista, quer os textos mais neo-simbolistas do ortónimo, tais como O Marinheiro, quer os mais vanguardistas do Álvaro de Campos, quer ainda os mais bucólicos de Caeiro ou os mais classicizantes de Ricardo Reis. Toda esta imensa panóplia de cores de sensações diferentes e aparentemente contraditórias, era consentida por uma corrente literária que, afinal, não assentava sobre base nenhuma:

 

«O Sensacionismo difere de todas as atitudes literárias em ser aberto, e não restrito. Ao passo que todas as escolas literárias partem de um certo número de princípios, assentam sobre determinadas bases, o Sensacionismo não assenta sobre base nenhuma. (…)

Assim, ao passo que qualquer corrente literária tem, em geral, por típico excluir as outras, o Sensacionismo tem por típico admitir as outras todas. Assim, é inimigo de todas, por isso que todas são limitadas. O Sensacionismo a todas aceita, com a condição de não aceitar nenhuma separadamente.» (Pessoa, in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Lisboa, Ática, s/d, p. 159). Do mesmo modo, para Mário de Sá-Carneiro o sensacionismo foi, mais do que uma corrente literária que ajudou a nascer e a alimentar, uma atitude confortável que assentava bem no corpo de uma poética que, também na sua complexidade e mescla de sensações, procurava um caminho para a utopia de um ismo derradeiro que a todas pudesse aceitar com serenidade. Assim, debaixo deste amplo alpendre do sensacionismo, poderia reunir textos tão diferentes como os poemas que publicou em Orpheu I, sob o título de Para os «Indícios de Oiro», alguns dos seus contos de Céu em Fogo ou ainda a narrativa A Confissão de Lúcio. O mesmo seria dizer que, debaixo deste alpendre, Sá-Carneiro poderia conviver com a sua alma e estilo romântico-interseccionista, ou mesmo romântico-sensacionista modo como define e explica a Fernando Pessoa, algumas das personagens principais do seu novo projecto de uma Novela Romântica, em duas cartas escritas em Paris, datadas de 3 e 5 de Fevereiro de 1916, coincidentes com o momento do entusiasmo máximo pelo sensacionismo partilhado pelos dois poetas. A 29 desse mesmo mês de Fevereiro, Sá-Carneiro ainda demonstra bem o seu entusiasmo quanto ao projecto, certamente apresentado por Pessoa na carta anterior, da realização de uma Antologia Sensacionista. E, poucos dias antes de se suicidar, em carta datada de 31 Março de 1916, Sá-Carneiro ainda apela a Pessoa que lhe continue a falar do sensacionismo … .

 

Ao lermos estas cartas de Sá-Carneiro ( e, ao mesmo tempo, tentando imaginar e reconstruir as de Pessoa) sentimos o quanto o sensacionismo era intensamente descoberto e vivido por estes dois amigos, neste início de 1916; prevemos, de imediato, a dor sentida por Pessoa após a perda do seu compagnon de route. Compreendemos, igualmente, a natural recusa de Pessoa em continuar, sozinho, um sonho que tinha sido vivido a dois. E entendemos também melhor, o poeta de Dispersão, afinal, o mais dramaticamente sensacionista de todos, que quis ser tudo e ser todos, sentir tudo de todas as maneiras e viver tudo aquilo que as suas personagens suicidas viveram e sentiram: «Mas você compreende que vivo uma das minhas personagens eu próprio, minha personagem – com uma das minhas personagens.» (in Carta datada de 17 Abril de 1916).

Quanto aos outros poetas de Orpheu que também aderiram ao sensacionismo, ou que igualmente, se podem incluir numa espécie de bibliografia sensacionista (aliás, esboçada por Pessoa), foram considerados e elogiados pelo poeta dos heterónimos, como por exemplo, Almada Negreiros e o texto A Cena do Ódio, ou criticados em alguns aspectos, como Pedro de Menezes (pseudónimo de Alfredo Pedro Guisado) e João Cabral do Nascimento, num texto intitulado, precisamente, Movimento Sensacionista e publicado, pela primeira vez, na revista Exílio (1916). Percebemos, através de textos como este, a dimensão nacional que Pessoa quis dar ao movimento sensacionista e o modo como ele ia colhendo novos adeptos. Sabemos também que o quis projectar além-fronteiras nacionais e que o divulgou junto de editores estrangeiros, nomeadamente ingleses, como Frank Palmer (como, aliás, já o tinha feito, para o interseccionismo). Relacionou o sensacionismo com o neo-paganismo defendido por A. Caeiro, R. Reis e A. Mora, baseando os dois na mesma procura da unidade através da pluralidade de deuses e de ismos. Transcendeu-o, para além das suas fronteiras artísticas, literárias e religiosas, numa dimensão ocultista já que, afinal, rapidamente se apercebeu que a estrutura alquímica do sensacionismo, segundo a qual era permitido abolir todos os contrários, era a mesma estrutura esotérica da sua obra, as mesmas bodas alquímicas em que o sim e o não se fundem numa perfeita harmonia. E, como diria uma das suas personagens, o Professor Serzedas, que assina um dos contos filosóficos, O Vencedor do Tempo, chegado a este ponto culminante do seu raciocínio, e dada a apetência profundamente esotérica do pensamento pessoano, uma outra dimensão sobrenatural, ou mágica, para além das três literárias já referidas e da religiosa do neo-paganismo, rapidamente se impunha para este sensacionismo; assim concebeu uma quarta dimensão, a mais perfeita de todas porque não dependente da materialidade do espaço ou do texto, mas liberta nas asas do tempo e do sonho. Enfim, a sensação absoluta.

 

Bibl.: Costa, Paula Cristina (Igreja), As Dimensões Artísticas e Literárias do Projecto Sensacionista, Dissertação de Mestrado, FCSH da Universidade Nova de Llisboa, 1990.  

 

 

Paula Cristina Costa