Foi um dos mais importantes títulos da imprensa periódica portuguesa do século XX, pela sua excepcional longevidade, pelas sucessivas gerações de colaboradores e de leitores que teve, pelo seu papel doutrinário e pela diversidade dos seus interesses e das suas rubricas (política nacional e internacional, economia, administração, História, literatura, crítica literária, teatro, cinema, ballet, música, educação, Universidade, cultura, filosofia, sindicalismo, direitos do Homem, ciência, saúde, habitação, situação da mulher, etc.). Surgiu em Lisboa, em Outubro de 1921, e o seu corpo directivo era inicialmente constituído por Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Faria de Vasconcelos, Ferreira de Macedo, Francisco António Correia, Jaime Cortesão, José de Azeredo Perdigão, Câmara Reys, Raul Brandão e Raul Proença. A princípio quinzenal, depois semanal, a primeira série da revista teve mais de mil e quinhentos números (o último foi o número duplo 1598/1599, de Dezembro de 1978/Janeiro de 1979); entre Outubro de 1980 e Dezembro de 1984, foram saindo anualmente números simbólicos, a fim de manter o título; uma segunda série teve início em 1985, por iniciativa de Jacinto Baptista, Fernando Piteira Santos, Luiz Francisco Rebello, Rui Grácio, Salgado Zenha, Ulpiano do Nascimento e Aquilino Ribeiro Machado.

  Em 1921, Seara Nova afirmava a sua tendência republicana, o seu propósito de intervenção e o seu espírito internacionalista nos seguintes termos:

“Pretende: Renovar a mentalidade da elite portuguesa, tornando-a capaz dum verdadeiro movimento de salvação;

Criar uma opinião pública nacional que exija e apoie as reformas necessárias;

Defender os interesses supremos da nação, opondo-se ao espírito de rapina das oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos, classes e partidos;

Protestar contra todos os movimentos revolucionários e todavia defender e definir a grande causa da verdadeira Revolução;

Contribuir para formar, acima das Pátrias, a união de todas as Pátrias – uma consciência internacional bastante forte para não permitir novas lutas fratricidas”.

Depois desta declaração de princípios, a revista enunciava as suas grandes linhas orientadoras no editorial do nº 1: “A SEARA NOVA representa o esforço de alguns intelectuais, alheados dos partidos políticos mas não da vida politica, para que se erga, acima do miserável circo onde se debatem os interesses inconfessáveis das clientelas e das oligarquias plutocráticas, uma atmosfera mais pura em que se faça ouvir o protesto das mais altivas consciências, e em que se formulem e imponham, por uma propaganda larga e profunda, as reformas necessárias à vida nacional” (nº 1, p. 1). Assim, “(...) os homens da SEARA NOVA pretendem fazer, por sua parte, em nome de toda a elite portuguesa, o seu acto de contrição. Serão poetas militantes, críticos militantes, economistas e pedagogos militantes”. E o editorial prossegue: “(...) a SEARA NOVA quer exercer mais que uma simples acção de critica e de protesto: quer chamar a atenção do pais para as reformas necessárias e contribuir para que se crie, em volta dessas reformas, uma opinião nacional  que as exija e apoie. Quer fundar as condições da verdadeira democracia, sem, as quais a República não passará do regime de baixa mentira e indigna plutocracia que tem sido até hoje”. 

O mesmo texto torna ainda mais explícita a linha ideológica da publicação: “(...) Sob o ponto de vista politico, a SEARA NOVA enfileira na extrema esquerda da república. Radical, sem ser jacobina, os seus esforços irão para a transformação do regime no sentido das mais avançadas aspirações. (...) Mas a SEARA NOVA não pode proceder ainda como se a sociedade actual fosse a realização suprema da justiça; como se uma maior justiça social não fosse possível nem desejável; como se o socialismo não representasse uma promessa de realização dessa justiça. Todas as suas simpatias vão, pois, para os que lutam, dentro da ordem, dos métodos democráticos e desse espírito de realidades sem o qual  são inteiramente ilusórias quaisquer reformas sociais, pelo triunfo do socialismo.

Longe, pois, de termos de retroceder até aos últimos dias de Setembro de 1910, como querem os monárquicos tradicionais, ou ainda mais para alem, como querem os monárquicos tradicionalistas, devemos regressar ao 5 de Outubro, mas regressar avançando, caminhando numa direcção inteiramente diversa e numa atitude de espírito inteiramente nova” (p. 3).

Em conformidade com os princípios enunciados neste editorial, Seara Nova discutiu as mais variadas questões da vida social, politica e económica portuguesa (a questão agrária, a situação do camponês, o funcionalismo, as eleições, a carestia da vida, etc.), propôs medidas (nomeadamente um plano de reorganização nacional), tomou posição em várias matérias e contribuiu para formar opinião (seriam conhecidos por “seareiros” os seus colaboradores e leitores fiéis). Exerceu também o seu magistério no plano cultural: sublinhou a missão cívica da Imprensa (“O intelectual e a rua”), instituiu uma actividade editorial própria (as edições da “Seara Nova”), incluiu artigos de divulgação científica (por exemplo sobre a energia atómica) e publicou abundante colaboração literária, recensões criticas, anúncios de livros, inquéritos sobre o livro em Portugal, rubricas de divulgação das literaturas estrangeiras (espanhola, francesa, alemã, inglesa, brasileira), etc. Nos primeiros tempos, a colaboração literária, bastante ecléctica, contou com nomes como os de Afonso Duarte, Augusto Casimiro, Américo Durão, Jaime Cortesão, Florbela Espanca, Carlos Queirós, António Patrício, António de Sousa, José Régio, João Falco (Irene Lisboa), Armindo Rodrigues, Vitorino Nemésio e tantos outros. No domínio da critica literária, João Gaspar Simões escreveu sobre a poesia modernista, Rodrigues Lapa sobre o lirismo galaico-português e Hernâni Cidade sobre o pensamento de Antero. Lopes Graça escreveu sobre o panorama musical português, e Bento de Jesus Caraça e Vitorino Magalhães Godinho deram um assíduo contributo em matérias culturais. 

Uma importante polémica em torno do livro de Julien Benda La trahison des clercs, nos nºs 120 e seguintes, foi protagonizada por Raul Proença, Ferreira Monteiro e Agostinho da Silva. Discutindo as teses de Benda, que tanta tinta fizeram correr no seu tempo, Raul Proença definia o intelectual como aquele a quem se exige a acção, e não apenas a defesa dos valores e dos princípios:  “Nem há maneira de nos convencermos que o clerc trai a sua missão e as suas ideias pelo simples facto de as querer ver realizadas” (nº 120, p. 466); “Toda a confrontação de ideias no campo politico e social exige a acção” (nº 126, p. 108); “Compete ao intelectual exercer a sua acção directora, pois é na medida em que essa acção se exercer que a probabilidade se transformará em certeza. Compete-lhe sobretudo impedir um retorno ofensivo da barbárie, não deixar mais de ser o guarda supremo dos valores da civilização (...)” (nº 135, p. 286).

Já os nºs 615 e seguintes foram dominados pela polémica entre José Régio e Álvaro Cunhal a respeito da missão do artista. A propósito das “Cartas Intemporais” que Régio publicou nos nºs 608 e 609 da Seara, Cunhal publicou no nº 615 o artigo “Numa encruzilhada dos homens”, em que criticava aqueles para quem o ‘eu’ é motivo predominante da vida e contrapunha aos artistas solitários aqueles que se preocupam com a sorte da humanidade. Numa alusão irónica ao título As Encruzilhadas de Deus, de José Régio, Álvaro Cunhal escrevia: “A humanidade chegou a uma encruzilhada. O momento não é favorável a longas hesitações. Cada qual tem que escolher um caminho: para um lado ou para o outro. A história não pára e a humanidade segue. O grande problema é a direcção que ela seguirá. Aos homens cabe escolher e decidir” (p. 285). E mais à frente: “É transparente como água que literatura não é política nem sociologia e que arte literária não é propaganda. Mas não é menos transparente que toda a obra literária – voluntária ou involuntariamente – exprime uma posição política e social e que toda ela faz propaganda seja do que for (inclusivamente do próprio umbigo). Simplesmente, há quem prefira, pelas razões atrás expostas, as obras literárias que exprimem determinada posição política e social às obras literárias que exprimem outra posição política e social. E uma posição politica e social não existe só quando se afirma claramente a preferência por um ou outro dos caminhos que saem da encruzilhada, mas existe ainda quando há um afastamento da encruzilhada. Creio – digo-o quase sem ironia – que a “adoração do próprio umbigo” exprime também uma posição (e até uma atitude) politica e social (...)” (p. 286). A discussão entre Régio e Cunhal estendeu-se ainda ao longo de vários números - o primeiro replicou com o artigo “Defino posições”, no nº 619, e Cunhal respondeu com o texto “Ainda na encruzilhada”, no nº 626 - e constituiu um momento culminante no estremar de posições entre neo-realistas e presencistas, em 1939.

Outras polémicas apaixonaram os leitores de Seara Nova: entre elas, as que opuseram António Sérgio e Carlos Malheiro Dias (sobre a questão sebástica); António Sérgio e Cabral Moncada (sobre idealismo e realismo); António Sérgio e José Marinho (idem); António Sérgio e Abel Salazar (sobre métodos de divulgação científica); Raul Proença e os Integralistas lusitanos; Raul Proença e Jaime Brasil (sobre a imprensa), etc.

Em finais dos anos 30, a revista publicou vários textos de doutrinação literária que, conjuntamente com outros incluídos em jornais e revistas como O Globo, O Diabo, Sol Nascente, Altitude, Síntese e mais tarde Vértice, contribuíram de forma decisiva para a afirmação do Neo-Realismo: entre eles, “Os problemas da arte são problemas da vida”, de Adolfo Casais Monteiro (nº 635), “Ficha 5”, de Mário Dionísio (nº 765), e, já depois da publicação dos primeiros romances neo-realistas e da colectânea de poesia Novo Cancioneiro, “O problema do romance português contemporâneo”, de João Pedro de Andrade (nºs 775 e 776), Apontamentos sobre o neo-realismo”, de Rui Feijó (nº 816) e “Ficha 13-A”, de Mário Dionísio (nº 833). Por esta altura, colaboraram na Seara autores como José Gomes Ferreira, Rodrigues Miguéis e os jovens neo-realistas Joaquim Namorado, Vergílio Ferreira, Fernando Namora, Carlos de Oliveira, Mário Dionísio e João José Cochofel. Outras gerações de colaboradores passaram depois pelas páginas da revista: Eugénio de Andrade, Miguel Torga, David Mourão-Ferreira, Matilde Rosa Araújo, Luís Amaro, Jorge de Sena, José Fernandes Fafe, Pedro Oom, Luiz Pacheco, José-Augusto França, Alexandre O’Neill, Luís Veiga Leitão, Egito Conçalves, Daniel Filipe, Cristóvão Pavia, José Terra, António Ramos Rosa, Natália Correia, José Cardoso Pires, Sttau Monteiro, Bernardo Santareno, Nuno Bragança, Ana Hatherly, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Urbano Tavares Rodrigues, etc.

Em 1939, a demissão de António Sérgio da direcção da Seara Nova, seguida de idêntica decisão por parte de Mário de Azevedo Gomes, Castelo Branco Chaves, Álvaro Salema, Vitorino Magalhães Godinho, José Régio e Agostinho da Silva  (que contestavam a administração e a orientação de Câmara Reis), bem como sucessivos desentendimentos no seio da revista nas décadas seguintes (historiados por Daniel Pires num extenso verbete incluído no vol. II, tomo 2, do seu Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1941-1974)) enfraqueceram-na consideravelmente; todavia, continuou a ser um forum de discussão de ideias, teve papel activo nas actividades oposicionistas (nomeadamente na criação do MUD e nas campanhas eleitorais de 1948 e de 1957) e, já na década de 60, prosseguiu a sua actividade informativa e formativa com artigos sobre política internacional, associativismo, história do movimento operário, história da imprensa socialista em Portugal, reformas do ensino superior, etc. A partir de meados dos anos 60, contou com um grupo de novos colaboradores entre os quais se distinguiam Lopes Cardoso, Sottomayor Cardia, José Tengarrinha e Henrique de Barros. A partir de 1969 foi dirigida por Augusto Abelaira e colaborada por Salgado Zenha, Mário Soares, Óscar Lopes, Urbano Tavares Rodrigues, F. Pereira de Moura, Carlos Carvalhas, Mário Murteira, Marcelo Curto, Medeiros Ferreira, António Reis e Eduardo Prado Coelho, entre outros. Com um novo aspecto gráfico, Seara Nova teve no início dos anos 70 vários números temáticos, sobre saúde, habitação, sindicalismo, Universidade, a mulher no trabalho, democratização do ensino, o Alentejo, inflação, etc. Apesar da sempre apertada vigilância da Censura, continuou a noticiar as manifestações oposicionistas (o II Congresso Republicano em Aveiro, em 1969, o III Congresso da Oposição Democrática, a vigília na capela do Rato) e a mobilizar os seus leitores e apoiantes em momentos-chave como a campanha eleitoral de 1973 (em Novembro desse ano, um inquérito intitulado “Como concebe o Socialismo?” foi proposto a vários destacados intelectuais), a angariação de fundos promovida pela Associação Portuguesa de Escritores, etc.

Após a Revolução de 1974, Seara Nova dedicou um número especial ao 25 de Abril, apoiando o programa do MFA e fazendo, nos nºs 1544 e seguintes, o historial da ditadura (“Para  a História do Fascismo”), com a transcrição de textos cortados pela Censura. Tornou-se uma revista de feição quase exclusivamente politica, publicou artigos sobre a descolonização, as lutas de libertação dos povos africanos, as eleições em Portugal, um número evocativo da Revolução soviética e seguiu de perto a linha ideológica do Partido Comunista. Por essa razão se afastou Rodrigues Lapa da direcção da revista (“entrou nela um partido a reger a orquestra”, escreveu na altura o prestigiado professor e democrata, que defendia para a Seara um apartidarismo coerente com os princípios que sempre a nortearam). Em finais de 1975, Manuel Gusmão assumiu o cargo de director interino. A poesia africana de expressão portuguesa, a critica de cinema, um ou outro texto de doutrinação ou critica literária, artigos sobre Neruda, Maiakovski e Brecht e alguns inéditos revitalizaram a componente literária e artística da revista. No entanto, o número de assinantes foi-se reduzindo, por força do alinhamento ideológico da Seara neste período; as tiragens diminuíram bastante e a situação financeira tornou-se crítica.

Em 1985 teve início uma segunda série de Seara Nova, com um conselho editorial composto por António Arnaut, António Borges Coelho, Aquilino Ribeiro Machado, David Mourão-Ferreira, Fernando Ferreira da Costa, Fernando Piteira Santos, Isabel Marnoto, Jacinto Baptista, Luiz Francisco Rebello e Maria Helena Mira Mateus. Afastando-se do dogmatismo e da vinculação ideológica que marcaram a revista na período pós-revolucionário, esta nova série defendia o pluralismo e propunha-se contribuir para as necessárias reformas da sociedade portuguesa. Para tanto, organizou dossiers sobre educação e ensino, a língua portuguesa no Mundo, o problema agrário, capitalismo e socialismo, regionalização, alternando com outros que revisitavam a História, como os dedicados ao 25 de Abril, ao 75º centenário da Seara Nova, a bento de Jesus Caraça e às eleições de 1958.

 

 

Bibl.: Mário Sottomayor Cardia, Seara Nova: Antologia. Pela Reforma da República (1921-1926), Lisboa, Seara Nova, 2 vols., 1971 e 1972; António Reis (org.), Seara Nova, Lisboa, Edições Alfa, 1990; Daniel Pires, Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1941-1974), Lisboa, Grifo, vol. II, tomo 2, 2000.

 

 

Clara Rocha