(1893-1935)
Nasceu no Rio de Janeiro, onde também viria a falecer, vítima de acidente de automóvel. É recordado na Literatura Portuguesa por ter sido um dos directores de Orpheu, e até por ter tido a iniciativa da própria revista junto com Luís de Montalvor. A Literatura Brasileira, que guarda dele outras recordações, tem dessa colaboração noção difusa, quando não errada. Manuel Bandeira, na sua Apresentação da Poesia Brasileira (1946), difunde a ideia (falsa) de que Ronald de Carvalho esteve em Lisboa em 1914, ligando-se então ao grupo de Orpheu, e daí que escreva a respeito do livro de poesia Luz Gloriosa (1913): «Nada se contém nele que revele o contacto com a estranha poesia de Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.» Não havia contacto nenhum nessa época. Os erros difundidos a esse respeito são vários, mas a história da participação de Ronald de Carvalho no projecto da revista seria esclarecida por Arnaldo Saraiva no seu estudo sobre as relações entre o modernismo português e o brasileiro, para onde se deve remeter o leitor interessado no assunto. Não sem antes dizer, porém, que não haveria motivo de especial importância para recordar Ronald de Carvalho se, anos depois de Orpheu, o seu papel na Literatura Brasileira não evocasse de alguma maneira um paralelo com a acção de Pessoa, Sá-Carneiro e Almada. De facto, ainda Bandeira, no mesmo livro, caracteriza Poemas e Sonetos (1919), o segundo livro de Ronald de Carvalho, como «retrocesso ao parnasianismo, recompensado pela Academia Brasileira com o prémio de poesia», e descreve o autor como «rapaz de vinte e cinco anos [que] parecia definitivamente conquistado pela disciplina académica, que se manifestava não só nos versos, mas também na Pequena História da Literatura Brasileira, outro livro premiado pela Academia no mesmo ano de 1919, e nas críticas de jornal, onde […] não poupava sarcasmos à poesia de Appolinaire e outros mestres da literatura europeia de vanguarda». A mudança vem a seguir, e o passo vale pela retórica e pela descrição histórica: «Mas em 1921 a mocidade reivindicou os seus direitos: o encontro com o músico Villa-Lobos, com o pintor Di Cavalcanti, com Ribeiro Couto e logo depois com Mário de Andrade e Oswald de Andrade teve sobre o poeta influência decisiva.» A influência do modernismo, claro: a figura da mocidade descreve a adesão ao modernismo pelo ímpeto natural da juventude, do homem e do mesmo modernismo em harmonia. Curioso, de resto, que assim o descreva Bandeira, mais velho do que Ronald. Acontece que a expressão «a mocidade reivindicou os seus direitos» poderia ser entendida para designar a viagem que Mário e Oswald de Andrade fizeram ao Rio, em 1921, a fim de conquistar adeptos para o movimento — e assim mesmo descrever a adesão de Bandeira, que faz dele, ao mesmo tempo, um apoiante decisivo e um pioneiro (Mário de Andrade haveria de proclamá-lo «o S. João Baptista da poesia moderna», que anunciara as novas tendências com Carnaval, em 1919). O grupo dos «companheiros do Rio» ficaria constituído, entre outros, por Manuel Bandeira, Ribeiro Couto, Sérgio Buarque de Holanda e Ronald de Carvalho. Era mais do que um grupo subsidiário de aliados. Villa-Lobos, o único artista presente nos três dias da sessão, representou o maior sucesso do evento. E Ronald de Carvalho, que teve participação activa na preparação e elaboração do programa da Semana, protagonizou um dos momentos decisivos: a leitura do poema «Os Sapos», de Bandeira, que não esteve presente, entre pateada e chufas da assistência, desembaraçando-se com brilho e enfrentando com coragem a hostilidade. Depois da Semana de Arte Moderna, publicaria a sua poesia de inspiração modernista em Epigramas Irónicos e Sentimentais (1922) e em Jogos Pueris, de 1926, no mesmo ano de livro de viagens pelo continente americano, Toda América. Pouco antes de morrer fora eleito, num concurso realizado no Rio de Janeiro, «príncipe dos prosadores brasileiros».
Bibliog.: Manuel Bandeira, Apresentação da Poesia Brasileira, Poesia Completa e Prosa, 4.ª ed., Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1977; Arnaldo Saraiva, Modernismo Brasileiro e Modernismo Português. Subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações, Campinas, Editora Unicamp, 2004.
Abel Barros Baptista