No espólio de Fernando Pessoa encontram-se alguns textos em que o poeta nos fala duma arte da quarta dimensão. Teorizou-a e adaptou-a ao seu projecto sensacionista assim como à sua poética heteronímica. Influenciado, certamente, pelas então recentes descobertas da teoria da relatividade de Einstein que, entre muitos outros aspectos, defendiam o tempo como uma quarta dimensão para além das três do espaço, Pessoa pensou adaptar esta ideia de liberdade associada ao tempo, à literatura, em geral, e ao sensacionismo e à criação dos heterónimos, em particular. Atento, igualmente, à teorização feita em torno do cubismo, Pessoa aproveitou destas descobertas científicas e estéticas do início do seu século, a liberdade de uma estrutura de pensamento que lhe permitiu imaginar a criação de uma arte que não se deixava prender no peso da gravidade da sua matéria espacial, de linhas e contornos bem definidos, mas que, pelo contrário, se podia dimensionar na leveza do movimento e da duração do sentir. Como disse, num texto intitulado «A Arte da Quarta Dimensão»: «Mas se as cousas existem apenas porque nós assim as sentimos, segue que a «sensibilidade» (o poder de serem sentidas) é uma quarta dimensão d`ellas» (Pessoa Inédito, pp. 269-270). Ou seja, para o pensamento pessoano, as nossas sensações das coisas, transcendem amplamente o corpo e o espaço de uma representação dos objectos e conferem-lhes o volume necessário para poderem ganhar o seu movimento autónomo, a dinâmica da sua magia interna.

Num esquema assinado por António Mora sobre as várias dimensões espaço/tempo, este filósofo do neo-paganismo faz corresponder a quarta dimensão à «figura-espaço-tempo», sendo que para a terceira, é com a indicação de «plano-espaço» que a esquematiza. Neste mesmo texto, Mora prevê ainda uma quinta dimensão, esta agora incompleta, já que a ela não faz corresponder, como às anteriores, nenhuma categoria. No entanto, podemos interpretar esta representação das várias dimensões espaço-tempo como uma tentativa de compreensão das relações entre o espaço, geometricamente representável por um ponto (onde se situariam as três primeiras dimensões) e o tempo, representável pelo movimento de uma forma ou figura, pela coexistência de um corpo que vive também na duração e mudança do tempo. Deste modo, entende-se melhor que para Pessoa a quarta (e mesmo uma possível quinta dimensão) é uma dimensão dinâmica, com vida própria, a sensação em absoluto que permite ultrapassar os contornos da representação aritmética para poder conceber o volume geométrico das múltiplas faces do cubo das sensações, a utopia de uma percepção absoluta da realidade. Assim, o sensacionismo entendido como a arte da quarta dimensão, ajudou Pessoa a problematizar uma arte que lhe permitisse criar uma realidade diferente daquela que as sensações, aparentemente vindas do exterior e do interior, nos sugerem. Ofereceu-lhe a ideia de que a quarta dimensão de um corpo é a sua coexistência com outro(s) corpo(s), ou seja, a ideia de infinito. Deste modo, o sensacionismo deixaria de estar limitado à suas três dimensões espaciais e literárias e passaria a poder conceber uma nova dimensão, por assim dizer, temporal e antropológica: a dimensão criacionista dos seus heterónimos que, enquanto figuras em permanente movimento e mudança, lhe permitiriam voar outro e projectar-se no tempo de uma quarta dimensão da mente. Como disse, num texto a propósito da criação de Caeiro e dos seus discípulos Reis e Campos: « Preciso de toda a concentração possível para a preparação do que se pode chamar, figuradamente, um acto de magia intelectual – isto é, para a preparação de uma criação literária numa, por assim dizer, quarta dimensão da mente.» Este fragmento de texto, por si só revela, o quanto foi importante, para Pessoa, a descoberta duma quarta dimensão: ela ajudou-o, certamente, a entender melhor, a criação heteronímica como um grande acto de magia intelectual, como o caminho para um além-Deus (título de um dos seus poemas) capaz de conduzir o poeta para além de todas as dimensões espaciais e literárias de qualquer ismo ou estilo e, como a serpente, permitir-lhe evadir-se de todos os caminhos. Pessoa tinha descoberto a importância da aplicação do princípio desta arte da quarta dimensão do sensacionismo ao seu projecto heteronímico: a liberdade de poder coexistir com outros de si mesmo nas asas do tempo, na magia da sua mente. Pessoa tinha igualmente reforçado a estrutura esotérica da sua obra: a aliança entre alquimia, magia e criação literária. E para além de tudo o mais, Pessoa tinha acertado o passo com o modernismo do início do século, tinha intensificado a interdisciplinaridade da sua arte poética que, também na ciência, na filosofia e nas artes plásticas, procurava a dimensão absoluta da sua fundamentação teórica.

 

BIBL.: Paula Cristina Costa, «Onde Pessoa se revela criador de civilização», in Pessoa Inédito, (coordenação de Teresa Rita Lopes), Lisboa, Livros Horizonte, 1993; Paula Cristina Costa, «A criação literária de um inglês à portuguesa» in História da Literatura Portuguesa – Do Simbolismo ao Modernismo, Lisboa, Alfa, Vol. 6, 2003;

Paula Cristina Costa (Igreja), As Dimensões Artísticas e Literárias do Projecto Sensacionista, Dissertação de Mestrado, FCSH da Universidade Nova de Llisboa, 1990.

 

 

Paula Cristina Costa