Na maioria dos casos, as influências em Fernando Pessoa são em geral muito ambíguas. Assim, encontram-se na obra pessoana, lado a lado, rejeições abertas e semelhanças escondidas. Estas ambivalências são bastante visíveis especialmente num filósofo que já foi considerado muitas vezes como o pai da filosofia ocidental. Trata-se de Platão de quem Pessoa tomou já muito cedo conhecimento, como se pode confirmar nos seus diários de 1906. Embora na sua biblioteca privada se encontre hoje em dia apenas a Politeia,como obra-prima de Platão, numa tradução inglesa (The republic of Plato in ten books, London/New York 1916), podemos confirmar facilmente que Pessoa conhecia também vários outros diálogos de Platão (explicitamente os diálogos Protágoras, Fédon, Teeteto, etc.), tal como houve uma grande interferência “platónica” em Pessoa através do filósofo francês Alfred Fouilée (o primeiro volume de La philosophie de Platon: théorie des idées et de l’amour, Paris 1904). Porém, uma visão global sobre a obra permite-nos concluir que Pessoa rejeitou, quase por completo, o ensino das ideias em Platão, bem como a sua teoria do conhecimento. Em poucas palavras, Platão divide o universo humano principalmente em dois mundos: o nosso mundo das sensações (ou dos objectos quotidianos) e o mundo invisível (e superior) das ideias. Um objecto apenas pode existir quando participa numa ideia geral, ou seja uma coisa apenas pode ser bela enquanto participa na ideia de beleza. O conhecimento humano é então para Platão uma forma de re-lembrança (anamnesis) em objectos que a alma já viu anteriormente no mundo das ideias. Em relação ao raciocínio de Pessoa, Platão comete neste ponto um erro lógico, tendo em conta que a ideia de beleza não precisa de ser necessariamente bela, ou que a brancura não é branca. Pessoa explica a sua lógica especialmente através da suposta superioridade do infinito sobre os números: “Aqui é que está o erro de Platão. O infinito não é superior nem inferior a qualquer número; porque a superioridade e a inferioridade dependem do número, do grau.” (E3 22-63r-v). O original deste texto é em inglês e pode ser datado por volta de 1906. Trata-se da crítica de um jovem estudante de filosofia que se torna, a partir de 1914 com a poesia de Alberto Caeiro, quase programa anti-platónico. Embora possa parecer que em Caeiro se encontrem várias referências escondidas às alegorias da caverna ou do sol, a poesia do Guardador de Rebanhos não passa de uma recusa das ideias de Platão que são para Caeiro invisíveis: “O mistério das cousas? / Sei lá o que é mistério! / O único mistério é haver quem pense no mistério. / Quem está ao sol e fecha os olhos, / Começa a não saber o que é o sol / E a pensar muitas cousas cheias de calor. / Mas abre os olhos e vê o sol, / E já não pode pensar em nada, / Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos / De todos os filósofos e de todos os poetas. / A luz do sol não sabe o que faz / E por isso não erra e é comum e boa.” (F. Pessoa, Alberto Caeiro – Poesia, Assírio & Alvim, Lisboa 2001, p. 29-30). Por outras palavras, para Caeiro o sol não precisa da ideia de sol para que ele consiga ver a luz. Todavia, para além desta grande diferença entre Pessoa e Platão, na obra pessoana existe também uma semelhança que se encontra nomeadamente na defesa pessoana da aristocracia. A concepção da aristocracia em Pessoa é claramente influenciada por Platão que defendeu politicamente um governo dos melhores (dos aristoi) em termos intelectuais, ou seja uma administração que não deve ser confundida com qualquer forma de oligarquia dos ricos, e que não se baseia numa herança ou numa simples força física. Ou seja, trata-se do governo de um pequeno grupo de algumas personalidades superiores que orientam a sua forma de governar unicamente para o bem comum da sociedade, totalmente independente dos seus interesses pessoais. Embora Pessoa se tenha movido durante a sua vida, muitas vezes, entre a monarquia e a república, podemos facilmente confirmar que ele nunca confiou, em termos políticos, em nenhuma destas formas de governo. E, embora Pessoa tenha justificado em 1928 uma ditadura militar em Portugal, e o seu pensamento político se tenha mostrado em geral de uma forma paradoxa e contraditória, temos de sublinhar a sua recusa do sistema democrático, entendido por Pessoa como um simples domínio de números. Pessoa continuou a procurar o seu paradigma político na República de Platão onde se realizou um perfeito equilíbrio entre as exigências sociais e a liberdade individual. Neste sentido, a convicção política mais fidedigna de Pessoa encontra-se no Ultimatum de Álvaro de Campos no qual estamos confrontados com uma ideia de democracia que se baseia no domínio dos melhores, ou seja um governo de personalidades que são capazes de reunir em si várias opiniões ou diferentes personalidades. E, de facto, a obra inteira de Pessoa transmite a ideia de que ele idealizou uma civilização dominada por poetas e pensadores, tais como por exemplo Goethe, Shakespeare ou também Platão.    

 

 

Steffen Dix