O pendor jornalístico revelado por Pessoa, desde a puberdade e primeira adolescência, expresso nas páginas de A Palavra e O Palrador, tem continuidade nos projectos que elabora para dois periódicos de índole anti-monárquica e anti-clerical, O Phosphoro e O Iconoclasta, por altura de 1907-1908. O Phosphoro ficou, de facto, apenas em projecto, existindo no espólio pessoano vários planos, listas de colaborações e textos a ele destinados. Um fragmento dá conta dos objectivos do jornal: «Insultar as crenças e as religiões, especialmente a Igreja Católica, mas saber fazê-lo». E os artigos versariam sobre «a crise moral da sociedade portuguesa. Falta de respeito por tudo. Parte causada pela monarquia. Parte pelo mal do século. Parte pela religião», como escreve noutro fragmento (Pessoa por Conhecer, II, p.212). Assim, num dos planos conhecidos, para além anúncios e secções menores, prevê um artigo político (sem assinatura) e um artigo de crítica superior (assinado), «Cartas do Sr.Pantaleão», «Visões de Manuel Maria», versos de Joaquim Moura Costa, versos não humorísticos (por vários) e «Agulhas e Alfinetes». Esta rubrica surge atribuída, noutro plano, a Joaquim Moura Costa e a outros intelectuais e, segundo outro, destina-se a desancar o «ritual positivista». Num fragmento, em parte inédito, Pessoa imagina a atribuição pela redacção do jornal da «Ordem do Phosphoro Apagado (do Valôr, Lealdade e Merito na Asneira», condecoração descrita como «uma cabeça de burro em bronze, com um phosphoro apagado na boca», que serviria para distinguir «os cultores da asneira nacional». O «Diploma da Asneira» é mesmo previsto para o rei D. Manuel II, numa outra nota. Dos textos efectivamente escritos, salientam-se poemas satíricos de Moura Costa, alguns com indicação expressa de se destinarem ao Phosphoro e outros de Pantaleão, como um excerto do prefácio às suas «Visões».

 

 

Manuela Parreira da Silva