Pelo seu estilo, ideias teórias e ideais artísticos, Oscar Wilde  exerceu uma influência directa e profunda sobre Fernando Pessoa em termos literários.  Além disso, foi para Pessoa objecto de fascínio pessoal.

Em termos estilísticos, Wilde é o grande predecessor da expressão aforística tão apreciada e utilizada por Pessoa. Pessoa sublinhou nos livros que tinha, escritos por Wilde, os seus aforismos preferidos e muitos textos pessoanos, desde o Livro do Desassosego a breve e inconjuntas listas, prefácios e textos avulsos, contêm numerosos paradoxos, máximas e ditos espirituosos (v. Pessoa, Aforismos e afins, ed. Richard Zenith, Lisboa: Assírio e Alvim, 2003).  Em toda a sua obra, Pessoa emprega aforismos parecidos com os de Wilde.  Muitos são escritos em inglês, e um em especial parece conter uma alusão directa ao esteticismo de seu predecessor: ‘Art for art’s sake is, really, only art for the artist’s sake’ (ou seja, pela valorização e auto-promoção do artista; Aforismos e afins, p. 42). 

Suzette Macedo defende que o Wilde autor de prosa discursiva influenciou Pessoa directamente ainda em outros sentidos, demonstrando como a sua defesa do individualismo em O Banqueiro Anarquista recorda os argumentos de Wilde em The Soul of Man Under Socialism (1891)  (v. “Fernando Pessoa’s O Banqueiro anarquista and The Soul of Man Under Socialism”, in Portuguese Studies, London: Kings College, 1991). Pessoa chegou a traduzir os ‘Poemas em prosa’ do dramaturgo (v. Zenith, ‘A Importância de não ser Oscar? Pessoa tradutor de Wilde’ (Egoísta, Junho 2008, pp. 30-47).  A poesia de Wilde também foi uma influência directa em pelo menos um instante: Antinous (1918), o poema mais explicitamente homoerótico de Pessoa ortónimo, deve muito à atmosfera do poema de Wilde “The Sphinx” (1894). 

Em termos teóricos, os ideais artísticos de Wilde, expressos de forma mais clara e coerente nos ensaios que constituem Intentions (1891), também estão presentes na obra de Pessoa como um todo.  Wilde constantemente defende a adopção de máscaras, o fingimento levado até à mentira, e a mitificação do artista.  Escreve que a arte é superior à vida e afirma que a realidade deve ser rejeitada em favor da mentira, a cara escondida por trás da máscara, e que a vida imita a arte em vez de a arte imitar a vida. O seu ensaio The Decay of Lying (1891), ao qual Pessoa se refere directamente em pelo menos dois textos inéditos, contém uma série de aforismos neste sentido: ‘what I am pleading for is Lying in art’; ‘what is interesting about people in good society […] is the mask that each one of them wears, not the reality behind the mask’.  Estas ideias são perfeitamente aplicáveis ao caso de Pessoa, em que os heterónimos competem com o “verdadeiro” homem pela atenção crítica; e a descrição que Wilde faz do artista ideal em The Decay of Lying poderia referir-se directamente a Pessoa.  O ensaio conclui com esta súplica: “What we have to do […] is to revive this old art of Lying”.  Pessoa foi instrumental nessa renascença.  As suas obras, incluindo os poemas mais conhecidos, estão repletas de ideais artísticos muito semelhantes aos do esteta: “O poeta é um fingidor” (“Autopsicografia”); “Fingir é conhecer-se” (Textos de crítica e de intervencão, Lisboa, Ática, 1980, p. 48); “artisticamente […] não [sei] senão mentir” (Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões, Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1957, p. 77).

Foram encontrados no espólio pessoano uns cinquenta manuscritos com referências directas a Wilde.  Estes escritos revelam que Pessoa, como tantos outros leitores e críticos wildeanos, sentiu um fascínio quase obsessivo pela vida privada do esteta.  Chegou a elaborar o horóscopo do esteta irlandês, com as datas mais marcantes de sua vida, para comparação com o seu próprio caso, e a maioria das datas que acompanham o horóscopo de Wilde referem-se às suas aventuras amorosas.  Outros textos de Pessoa projectam análises da vida pessoal e sexual do irlandês.  Pessoa não o idolatra como escritor, mas interessa-se pela sua psicologia.

A biblioteca privada de Pessoa contém quatro livros de Wilde, todos eles com anotações marginais que revelam uma leitura atenta, e cinco obras críticas sobre o dramaturgo (seis se contarmos também o pequeno volume de sonetos da autoria de Lord Alfred Douglas, “Bosie”). Sabemos ainda que Pessoa chegou a ter um exemplar da célebre peça de teatro The Importance of Being Earnest (1895).

Álvaro de Campos demonstra em vários escritos um homoerotismo parecido com o de Wilde.  Em “A Passagem das Horas” (1916), recorda amantes passados, homens e mulheres, e o seu “Freddie” evoca a palidez de “Bosie”: “(Freddie, eu chamava-te Baby, porque tu eras louro, branco e eu amava-te, / Quantas imperatrizes por reinar e princesas destronadas tu foste para mim!)”.  Em “Soneto já Antigo”, Campos fala-nos de um ‘pobre rapazito / que me deu tantas horas tão felizes / [...] a quem eu tanto julguei amar.’  Se Campos é o heterónimo mais próximo ao “verdadeiro” Pessoa (como geralmente é encarado pela crítica), é também o heterónimo que revela as mais fortes afinidades com Wilde na sua atração pelo esteticismo e o homoerotismo. 

Wilde desejou sempre ser recordado mais como celebridade do que como escritor. Contemporâneos como Gide comentaram que a sua conversa e personalidade eram infinitamente mais brilhantes do que a sua escrita; o próprio Wilde chegou a lamentar que invistira todo o seu génio na sua vida, e que, como resultado, o seu potencial literário sofrera.  Pessoa, inversamente, sempre afirmou viver mais plenamente na literatura. Um e outro trabalharam, portanto, em sentidos completamente contrários, para criar o seu próprio mito.   

É possível que o mito que Pessoa criou, no sentido de existir puramente no mundo das palavras, fosse em parte uma reacção ao desmascarar de Wilde durante o julgamento, quando a sua vida privada e particularmente o aspecto sexual passaram a ser alvo de interesse público.  Percebendo ou temendo, talvez, uma afinidade pessoal neste sentido, Pessoa esforçou-se por criar uma distância maior entre ele e Wilde do que a que existe na realidade (“Oscar Wilde, Fernando Pessoa, and the Art of Lying”). Chegou a escrever, em inglês: “In so far, however, as I am compared to Wilde, I object to the comparison, which is insulting because it is false” (E3 49b/85v).  Apesar da influência directa de Wilde em Pessoa em termos literários – estilísticos e teóricos – e do interesse quase obsessivo do poeta português pela vida privada do escritor irlandês, nos manuscritos pessoanos pesam os comentários desfavoráveis sobre Wilde.  É possível que, ao tentar distanciar-se de qualquer afinidade com Wilde, Pessoa demonstre a “ansiedade de influência” descrita por Harold Bloom em The Anxiety of Influence (1973).  Ou talvez quisesse desencorajar a abordagem crítica em voga na época, e a preferida de João Gaspar Simões, o seu primeiro biógrafo: a interpretação psicanalítica.

 

BIBL.: Macedo, Suzette, ‘Mentira, fingimento e máscaras: Alguns comentários sobre Oscar Wilde, W.B. Yeats e Fernando Pessoa’, Colóquio / Letras, 107, 1988; Castro, Mariana de, ‘Oscar Wilde, Fernando Pessoa, and the Art of Lying’, Portuguese Studies, Vol. 22, 2006;Zenith, Richard, “A Importância de não ser Oscar? Pessoa tradutor de Wilde”, Egoísta, 2008.

 

 

Mariana de Castro