O oxímoro, enquanto  figura de pensamento e enquanto uma das formas de desenvolvimento da antítese, teria de ocupar um lugar retórico dominante e multiplamente presente na construção poética pessoana.

Na maioria dos casos, como é próprio desta figura, o oxímoro constitui-se pela aproximação de termos opostos, que se associam semanticamente.  Deste procedimento encontramos uma profusão de ocorrências na poesia de Fernando Pessoa, sobretudo do ortónimo : “Que não vejo, mas vejo,/ Que não ouço, mas ouço,/ Que não sonho, mas sonho, /Que não sou eu, mas outro…” (1916): “Eu sofro sem pena a vida” (1927); “Dormir até acordado” (1927); “Tenho bastante em ter nada” (1932), etc. No entanto, quer associe termos opostos, quer se desenolva numa proposição contraditória, o oxímoro, em Pessoa, deu forma a muito pensamento construído sobre a contradição e suas irresoluções, apresentando-se assim como a mais sintética fórmula do movimento antitético desta poesia. Em “Chuva Oblíqua” (1915), por exemplo, o uso do oxímoro, por junção de termos opostos, integra-se na prática interseccionista como se a sobreposição absurda fosse uma ilustração da fusão sensacionista: “uma horizontalidade vertical”, “bailam parados”; “Noite absoluta na feira iluminada”, “luar no dia de sol”. Em «Ela canta, pobre ceifeira» (1924) o oxímoro está ao serviço de duas oposições centrais, aquela cujos pólos são pensar e sentir e a que, como modo de superação desta oposição, opõe o bloco pensar-sentir (com a implicação “ter consciência de”) e viver (implicando “não ter consciência de”). A primeira antítese expressa-se no oxímoro: “O que em mim sente está pensando”; a segunda antítese exprime-se nos oxímoros: “Ah (…) / Ter a tua alegre inconsciência e a consciência disso”. Em “Autopsicografia” (1931), o próprio desenvolvimento da ideia do poema consiste em definir o poeta e, portanto, a actividade poética como o que existe quer na própria condição de contradição, expressa no oxímoro “fingir… deveras”, quer no próprio paradoxo que supera a oposição: fingindo «que é dor / A dor que deveras sente». E a mesma ideia aparece, num outro poema, cujo título “Quero ser livre, insincero” (1930), sublinha, pela ironia, o conteúdo do oxímoro: “Quando canto o que não minto/ E choro o que sucedeu, /É que esqueci o que sinto/ E julgo que não sou eu” (FP II 382). Também em “A Casa Branca Nau Preta” (1916) uma sequência de oxímoros se constitui como a fórmula sintética de experiências intelectuais contraditórias: “Não há substância de pensamento na matéria de alma com que penso… / Há só janelas de par em par encostadas por causa do calor que já não faz, / E o quintal cheio de luz sem luz…”.

Deste modo, o oxímoro pessoano, como forma sintética da contradição, aparece-nos afecto à ideia obsessiva da irrealidade da realidade, que é também o sentimento da não-realidade do Eu e, assim, ao sentimento de necessidade e  impossibilidade de idealizar um absolutamente real, como se pode ler em formulações várias:  “Hoje, descrente até do que não há/ Vagueio em mim sem mim” (1927); “Aquele que sou agora/ Se existe, é porque morreu” (1930); “Eu vejo-me e estou sem mim,/ Conheço-me e não sou eu” (1931); “ O nada temporal de tudo” (1931); “O Nada que é tudo é o Ser” (1934), ou “Sei que a morte, que é tudo, não é nada” (1934). Ainda na mesma linha, releve-se que o oxímoro pessoano está com frequência anexado à ideia do absurdo da morte, como, por exemplo, em “O Menino de sua Mãe” (1926), “fita com olhar (…) cego”, ou “naquela expressão fixada / Pela falta de expressão” (1927).

Próximo também do mesmo olhar sobre a estranheza ou a irrealidade da realidade está o oxímoro em Campos, quer na transformação do excesso sensacionista em experiência estética futurista - como acontece, por exemplo, quando a junção de contrários é usada como um dos recursos utilizados na enumeração caótica como, por exemplo, em “Ode Triunfal” (1914): “ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis” (1927)  –, quer na expressão melancólica da experiência moderna do vazio:  “Ah, não poder estar parado nem andar,/ Não estar deitado nem de pé,/ Nem acordado nem a dormir,/nem aqui nem noutro ponto qualquer”, E em “Lisbon Revisited(1923)” lê-se: “Lisboa de outrora de hoje”, “que eu sou daqueles que sofrem sem sofrimento”, “à busca de não buscar”. E, ainda, em “Lisbon Revisited (1926)”: “Definidamente pelo indefinido”, “(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas)”. Aliás, no poema “Mestre, meu mestre querido” (1928), a realização poética que é Alberto Caeiro é definida pelo oxímoro: “Alma abstracta e visual até aos ossos”.

Verifica-se, assim, que o oxímoro em Pessoa aparece também afecto ao desdobramento heteronímico, moldando-se à invenção singular de cada voz e ligando-se às grandes figuras da disjunção, como a ironia. Mas é em Ricardo Reis que esse carácter de fórmula culminante da contradição atinge maior concisão. Porque as odes de Reis, na maioria dos casos, expõem uma ética de vida que é uma ética decorrente da consciência da inevitabilidade da morte, o oxímoro ganha mais fortemente uma configuração aforística ou até sentenciosa. Diz Robert Bréchon algures que Reis se inscreve em duas tradições contraditórias: o “sustine et abstine” dos estóicos e o “carpe diem” de Horácio e dos epicuristas, e sintetiza atribuindo a Reis “a livre escolha do inevitável”.

Alguns dos oxímoros de Ricardo Reis aparecem na forma explícita de sentença: “ finge sem fingires”; “Para folgar não folgas”; “Abdica/ E sê rei”. Outros são exemplares pela contracção sintética: “Quão breve tempo é a mais longa vida”;  “não tendes cura/ De ter cura”; “Que a Sorte nos fez postos/ Onde houvemos de sê-lo”; “Teus infecundos, trabalhosos dias” e “os nove abraços da frieza…”; “De quanto a flauta sorrindo chora”; “crianças adultas”; “Nesse desassossego que o descanso/ Nos traz”; “um fado voluntário”; “o que vemos mesmo/ Sem o vermos”; “Com que fingis, sinceros,/ Dar-me os dons que me dais”.

A regra estóica em Reis define-se pela injunção de não devermos querer mais do que o que nos é dado, no que se aparenta a Alberto Caeiro na sua fórmula de não vermos mais do que o que vemos. Então pode dizer-se que a fórmula do oxímoro “quero não querer”, é afinal uma litotes: “não quero mais que não querer”, essa outra figura retórica pessoana, e que estas duas figuras, com frequência, se sobrepõem quer em Reis, quer em Caeiro. De facto, neste último heterónimo, o oximoro aparece em versos que se constituem como fórmulas-cláusula da poética explícita: “Só a natureza é divina e ela não é divina” (“O Guardador de Rebanhos”, XXVII); “só eu, porque não a fui achar, achei” (XLVII); “O único mistério é não haver mistério nenhum”; “Porque o único sentido oculto das cousas/  É elas não terem sentido oculto nenhum” (XXXIX); “Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa” (XXXVI). Mas aparece noutros versos recorrendo à estrutura retórica da litotes: “não ver senão o visível” (XXVI): “mas para mim, que não sei o que penso/ O que o luar através dos altos ramos/ É, além de ser/ O luar através dos altos ramos,/ É não ser mais/ Que o luar através dos altos ramos” (XXXV).

 

BIBL.: Roman Jakobson e Luciana Stegagno Picchio, “Les Oxymores Dialectiques de Fernando Pessoa”, in Luciana Stegagno Picchio, La Méthode Philologique, Écrits sur la LittératurePortugaise, I, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982

 

 

Maria Sousa Tavares