Para Fernando Pessoa, a genealogia do Ocultismo recua aos Mistérios da Antiguidade, em que, sendo os ensinamentos esotéricos ou ocultos “os mais verdadeiros, ou inteiramente verdadeiros, não convém que se ministrem senão a indivíduos previamente preparados, gradualmente preparados, para os receber. A esta preparação se chamava, e chama, iniciação” (E3 54-97). Por outra razão tais ensinamentos se designam como ocultos: «Todos os símbolos e ritos dirigem-se, não à inteligência discursiva e racional, mas à inteligência analógica. Por isso não há absurdo em se dizer que, ainda que se quisesse revelar claramente o oculto, se não poderia revelar, por não haver para ele palavras com que se diga. O símbolo é a linguagem das verdades superiores à nossa inteligência» (E3 54-75), com a consequência ainda que não se devem vulgarizar, pois «divulgar é destruir, porque a doutrina oculta, divulgada, passa para quem não pode compreender e que, portanto (1) a deturpa na interpretação; (2) a deturpa ainda mais na acção» (E3 53B-72).

Nos templos e nas iniciações dos Mistérios desenvolviam-se capacidades anímicas, procurava-se a revelação do espírito e aprofundavam-se saberes tradicionais e subtis (mágicos, curativos, mânticos e unitivos), que tiveram frequentemente de se ocultar, chamando-se então Ciências Malditas, tanto pelos seus desvios como pelas perseguições de que foram vítimas. Em 1912, João Antunes dava este título a um livro, publicado na Livraria Clássica Editora, a mesma onde F. P. traduziria seis obras dessa temática que, marginalizada durante séculos, recebia desde o final do séc. XIX uma crescente investigação, que culminaria com a entrada da palavra Ocultismo no dicionário da Academia Francesa em 1893.

Atribui-se ao francês Eliphas Lévi a sua criação (em 1860, na sua História da Magia) e incluía o mesmerismo ou magnetismo, a cabala, o estudo das ciências ocultas (magia e alquimia) e das antigas tradições iniciáticas. Ora F. P., embora tenha aplicado a cabala, feito poemas mágicos e evocação de entidades e utilizado a terminologia da Grande Obra e das suas fases para caracterizar o caminho, é sobretudo um gnóstico, um homem numa via iniciática e que, se pratica algumas das ciências ocultas, tal a astrologia, o que faz mais é ler obras de ocultismo e aprofundá-las, para compreensão das realidades subtis e dos símbolos, dos rituais e profecias, tanto como auxiliares da sua obra literária, em volta da qual toda a sua vida girava, como da sua demanda da verdade e ligação espiritual. Não nos diz ele: «como ousa dizer que compreende a Divina Comédia quem ignora os fundamentos do chamado "ocultismo", de cujos símbolos e intimações aquele poema está cheio intus et foris?» (E3 55I-22).

E assim, nesse aprofundamento reconhece que «o interesse pelo Ocultismo é hoje enorme; as publicações da especialidade são em número crescente e ocupam já páginas numerosas em os catálogos dos livreiros da generalidade; não têm conta, por todo o mundo, as revistas adstritas a este assunto» (E3 54-55). De tal investigação de F. P. restam muitos sinais na sua biblioteca, tal as obras de H. Jennings, E. Wolfram, Eusèbe Salverte, J. Grasset, Papus, E. Lévi, St. Yves de Alveydre, Blavatsky, R. Steiner, A. E. Waite, F. Hartman, Manly P. Hall, M. Mathers, Crowley, O. Wirth, etc. Da Tradição portuguesa, F. P. possuiu obras de Anselmo C. Munhós de Abreu Gusmão e Castelo Branco, Miguel António Dias, Sampaio Bruno, Raul Leal, António Lobo Vilela, João Antunes, César Porto. Já do nível da conversa ocultista e espiritual, com Augusto Ferreira Gomes, E. Kamenesky e a sua mulher, Henrique Rosa, Raul Leal, João Antunes, Mário de Saa, Alphonsus Sair, Mariano Santana, Caldeira dos Santos, Leonardo Coimbra e César Porto (estes dois últimos citados nas conversas de um dia resumido como místico, no diário de 1915) bem como com outros, pouco se sabe, além dos prefácios às obras dos dois primeiros e de alguns poucos testemunhos, como os de Raul Leal, Augusto Costa e Peixoto Bourbon.

Antes de se empregar a palavra Ocultismo, bem como Esoterismo (o interior espiritual das doutrinas, religiões e iniciações), que aliás F. P. utiliza como sinónimos (E3 54-97), havia as expressões Magia, Tradição Oculta, Arcanos do Mundo, Filosofia Secreta, Filosofia Perene, Prisca Teologia e Filosofia Oculta, esta consagrada já desde Agripa, em 1533, no De Occulta Philosophia sive de Magia, e que se desenvolveu bastante no Renascimento graças aos pioneiros Pico della Mirandola e Marsilio Ficino, seguindo-se Steuco, Patrizzi, Giorgio, Postel, Reuchlin, Bruno, Campanella, Agrippa, Tritemo e outros, capazes de se elevarem espiritualmente e de realizarem a unidade subjacente às religiões e tradições e, à luz de uma perspectiva de concórdia comparativista, interpretarem os textos religiosos e iniciáticos, e em especial das tradições neopitagórica, neoplatónica, gnóstica, hermética, cabalística e até indianas, caldaicas e árabes. Abriam-se assim caminhos para as realizações e estudos mais profundos do oculto como encontraremos em Paracelso, Agrippa, Johan Gichtel, van Helmont, Fludd ou para as revelações de Jacob Boëhme e mais tarde de Swedenborg, numa progressiva desvendação do mundo espiritual e da Tradição primordial subjacente a todas as religiões: «o ocultismo, porém, como a todas as religiões transcende e excede, excede e transcende cada uma de per si através dela mesma. Não lhe diminui os símbolos, as lendas e os ritos, senão que os eleva, interpretando-os, para fora da materialidade que lhes impôs o baixo espírito, crédulo que não crente, da maioria dos seus fiéis» (E3 54-55).

Mas é de facto a partir dos finais do séc. XVIII que surgem, sobretudo em França, os grupos e movimentos iluministas, ocultistas e estudiosos do esoterismo, até por reacção aos excessos do século das luzes e ao enfraquecimento da Igreja («o cristismo está em liquidação. Por todos os lados se deteriora e se estiola. O que era misticismo e interioridade deserta-o, para formar a substância dos diversos agrupamentos ocultistas que enxameiam o mundo», E3 21-27). Destacam-se como pioneiros Court de Gébelin, Swedenborg, Martins de Pascoal, Saint Martin, Fabre de Olivet e Wronski, desabrochando tais veios com os dois grandes vulgarizadores E. Lévi e Papus e seguindo-se St. Yves de Alveydre, S. de Guaita e o seu secretário O. Wirth (este bem comentado por F. P., mas os outros também citados),  Péladan, Hector e Henri Durville, estes os directores do  Institut du Magnetisme et du Psychisme, e a quem F. P. escreve em 1919 pedindo informações sobre o curso de correspondência de magnetismo pessoal, confessando que «a minha vida psíquica é uma espécie de curso de desmagnetismo pessoal» (E3 20-56).

Para o médico Gérard Encausse, dito Papus, que F. P. conhece desde 1906, citando L’ Occultisme et le Spiritualisme, o Ocultismo engloba as ciências ocultas e assume-se como uma doutrina e sistema filosófico, surgindo no séc. XIX como uma reacção ao materialismo e positivismo e à «tradição do Oriente, representada pelo budismo, que em vão intentou apoderar-se da intelectualidade europeia», e assim «as escolas tradicionais depositárias da tradição ocidental apareceram à vista de todos e reivindicaram o lugar que queriam para si os brumosos misticismos da Índia; a cabala organizou os seus ensinamentos, o martinismo, de origem mais recente, estendeu a sua influência e vê acudir ao seio centuplicadas as hostes da iniciação, a Gnose reaparece no mundo mais vigorosa que nunca». Tal ideia será igualmente expressa por F. P., «na moderna revivescência dos sistemas ocultistas, notável sobretudo pela importação, nos países de língua inglesa, do chamado budismo esotérico, atroz amalgama de superstições de selvagens, de humanitarismo decadente e de gnosticismo atrapalhado, trouxe outra vez superfície o que pela Europa havia de restos da tradição oculta da Gnose» (E3 21-19),

Não se pode ignorar, no ocultismo novecentista, a Sociedade Teosófica, fundada em 1875 por Blavatsky e outros, e que é dos mais dinâmicos grupos, tal como Fernando Pessoa, apesar de a criticar, reconhece: «As publicações teosóficas vieram fornecer, tanto quanto é possível, uma transcrição exotérica das doutrinas ocultas, por meio da qual se podia até certo ponto compreender os fenómenos, conhecimentos e poderes ocultos, os fins das sociedades místicas e, em certo modo, reler mais inteligentemente os tratados» (E3 54-50). Mas sempre exigente, F. P. qualificou de pseudo-martinismo a Ordem Martinista fundada por Papus (e de que fazia parte em Portugal, João Antunes). Mais fortes mesmo eram as críticas um pouco anteriores de F. P., na fase neo-pagã: «temos que atacar o misticismo e o subjectivismo abjectos do ocultismo e do protestantismo decadente. Temos que atacar o humanitarismo e a democracia, produtos cristãos, filhos pródigos do cristismo» (21-27), ou a mais extensa análise intitulada Um caso de mediunidade. (Contribuição para o estudo da actividade subconsciente do espírito) (54A-78, 82), em que considera que o espiritismo e o ocultismo, para além de serem perigosos e daninhos, não deviam ser feitos fora de grupos muito restritos.

Contudo, em 1916, há o registo da chegada de dez livros ocultistas de Inglaterra, que mostram o interesse de F. P. em confrontar as suas tendências de extremos psíquicos e os seus paganismos transcendentalistas. E mesmo nessa fase neo-pagã, que desaguaria finalmente no rio iniciático da gnose, F. P. diz já que «mais do que, propriamente, o dos neoplatonicos é meu o paganismo sincrético de Juliano Apóstata» (E3 21-7) e que «Juliano era, propriamente, um mitraísta, o que hoje se chamaria um teosofista ou um ocultista» (E3 21-65). E de facto, a partir de profícuos estudos, sobretudo no último decénio da sua vida, F. P. é cada vez mais um conhecedor e, em certos aspectos, um praticante do ocultismo, da simbologia, da transmutação alquímica, da iniciação, da realização.

Com efeito, F. P., com uma grande ânsia da verdade, foi de certo modo um ocultista típico do séc. XIX, tal como outros poetas e escritores o foram, do romantismo e simbolismo (que F. P. considerava coincidente com o ocultismo na essência metodológica de analogias e no tempo) ao modernismo, tal Goethe (que ao contrário de F. P. viveu o suficiente para levar a bom termo o seu Fausto), Blake, Novalis (com o seu Messias panteísta da Natureza, influenciando a concepção de A. Caeiro), V. Hugo, Balzac, Nerval, E. A. Poe, Baudelaire, Mallarmé, Yeats, Eliot e T. S. Pound. Disso nos fala: «assim o estado geral – e verdadeiro – da Europa é hoje, e de já há muito é, uma insatisfação sentimental perante os resultados da ciência, não como ciência, senão como substituto da religião, e uma insatisfação intelectual perante as religiões tradicionais» (E3 54-62), referindo até expressamente a influência ocultista e teosófica na corrente literária do Orpheu.

Pode entender-se portanto o ocultismo como os estudos da constituição do homem e das forças invisíveis da natureza, e as práticas, em geral individuais e independentes de religiões, baseados nas capacidades de conhecimento menos desenvolvidas, porque supra-racionais, intuitivas, e que assentam no aprofundamento do conhecimento, não tanto do plano físico mas sobretudo do etérico, astral, psíquico ou anímico e do espiritual, com a sua hierarquia dos seres que ligam a humanidade a Deus, os quais estão unidos numa circulação de consciência-energia electro-magnética subtil, ligando-se em correspondências proporcionais e relações analógicas, numa unidade hologramática na qual o Todo está em qualquer parte e qualquer parte pode ter acesso ao Todo, e em que o semelhante atrai ou comunica com o semelhante, o que constitui no fundo a base da magia. F. P. fala-nos disto no início de um livro projectado Subsolo (or the like) «primeiro capítulo trata das iniciações e expõe as três leis da “vida oculta” – (1) o que está em baixo é como o que está em cima, (2) quando o discípulo está pronto, o mestre está pronto também, (3) cada coisa tem cinco sentidos» (E3 54-90).

F. P., reflectindo sobre a criação e queda, os anjos, a intuição, a reminiscência, a profecia, o sonho, intitulando muitos desses fragmentos ora Ocultismo, ora o Sentido Oculto do Cristianismo, ora Bandarra, R C (rosicrucianismo), F. M. (franco maçonaria), O. T. P. (Ordem Templária de Portugal), meditou e trabalhou com criatividade o simbolismo (veja-se a Mensagem) transmitido ao longo dos séculos numa vera catena aurea, pois nos símbolos haveria que descobrir e interpretar «as ocultas e subtis analogias entre eles», o que desenvolvia a intuição e o raciocínio analógico, fundamentais para a criatividade literária e para o caminho iniciático, o qual se torna até para F. P. uma designação mais adequada de que ocultismo ou esoterismo, já que implica a plenitude vivencial e consciencial, acima do registo meramente discursivo, nos estudiosos do esoterismo, ou demasiado fenomenal e psíquico nos praticantes do ocultismo, ainda que certamente F. P. utilize ambas como o conhecimento interno e subtil ou espiritual.

As forças ocultas do despertar do ser humano, os segredos da Palavra Perdida, os ensinamentos secretos dos Templários, o Encoberto, são ainda sinais da importância do oculto na obra de F. P., na qual se encontram referências a muitas doutrinas: «dizem os cultores do ocultismo que cada coisa que, neste mundo, se apresenta como um todo, tem uma alma, uma pessoa espiritual», ou «tudo é vivo, e um laço mágico pode tão facilmente ser formado com uma doutrina como com um homem. Uma doutrina é um ser vivo, na sua maneira e no seu grau. Falo como alguém que passou através destes estágios e sabe, apesar de por uma experiência necessariamente intransmissível, que estas coisas são assim» (E3 54A-67, td.). Encontramos também glosas às leis do ocultismo: «a iniciação esotérica «tem que ser buscada pelo discípulo e por ele desejada e preparada em si mesmo. “Quando o discípulo está pronto”, diz o velho tema dos ocultistas, “o mestre está pronto também”» (E3 125A-8), ou à doutrina da consciencialização subtil da acção, descrita como o método oculto de se agir e que, ao nível da oração, pode ser enunciada assim: «Há uma maneira simples de obter qualquer coisa: (1) desejá-la intensamente (concentradamente); (2) desejá-la constantemente. (3) desejá-la limpamente (puramente). “Buscai primeiro o Reino de Deus, e tudo mais vos será acrescentado”» (E3 54A-38).

Nascido no século quando as ditas ciências malditas e ocultas passaram a ser mais investigadas e comunicadas, F. P. foi dotado de uma sensibilidade analógica e oculta notável e seguiu o seu caminho de aprofundamento mais pela linha simbólica e iniciática de que pelo estudo experimental e mágico das forças ocultas do universo, advertindo sobre os perigos das forças ou poderes sombrios que regem e manipulam a humanidade e os seus grupos, tal as ordens secretas: «assim como o mago compele aos seus desígnios os elementais dos elementos e os demónios inferiores, assim os magos de segunda Ordem compelem aos seus desígnios, como gado domesticado, os que, iniciando-se na Maçonaria como jugo, que não como liberdade, entram no círculo mágico» (E3 125-87). No fim da vida, na nota autobiográfica, afirma-se cristão gnóstico e iniciado templário «fiel à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria», reafirmando assim a Tradição universal, da qual chega a citar o Vedanta da Índia: «No ocultismo dos Índios o Mestre, a quem os discípulos procuram, é a própria substância monádica do discípulo. “Eu próprio sou o caminho”, diz-se no poema sagrado. Só há a procurar o que já se encontrou» (E3 24-75), num ensinamento que se aplica bem a quem precocemente reconheceu ou sentiu o génio.

 


Pedro Teixeira da Mota