Na última década de Oitocentos e nas duas primeiras de Novecentos florescem em Portugal algumas correntes que evocam o nacionalismo, o tradicionalismo, o historicismo e o apego ao imaginário cultural popular que caracterizaram o Romantismo. Consideradas como revivescências de tendências românticas e passadistas, convencionou-se chamá-las de correntes passadistas e/ou correntes tradicionalistas. Para essa ressurgência contribuíram decisivamente o atraso industrial e o caráter agrário e rural que definiam o Portugal de fins do século XIX, assim como o incisivo abalo no instinto nacional desferido pelo Ultimatum inglês de 1890. Contribuiu, também, a permanência do imaginário cultural romântico, quer pela perspectiva político-liberal que embasava os republicanos, quer pelas investigações científicas sobre o ser português que reiteravam a importância da língua, do homem, do território nacionalmente considerados. Nomeadamente por essa via, é possível entender várias manifestações (e não movimentos literários) neo-românticas nas literaturas ocidentais, do que podem constituir exemplos o Néo-Romantisme, na literatura francesa, e o nacionalismo da primeira geração modernista, na literatura brasileira.

Em Portugal, entretanto, assistiu-se, na passagem do século XIX para o XX, à consolidação do Neo-Romantismo como estilo de época e como nomenclatura que, a um só tempo, evocava o apego às terras e ao povo português, as tradições orais e folclóricas, o nacionalismo, o naturismo, a atitude moralizante e afetiva diante do insulamento e egotismo depressivo do eu e da crise do sujeito que se instalava e permitia entrever que essas diversificações fundamentais constituiriam, nos primeiros anos do século XX, correntes correlatas, porém distintas – o que indica, portanto, que várias confluências definem as tendências neo-românticas. Para além dessa diversidade de confluências, o modo como elas se fizeram presentes em obras e em autores também foi amplo e variado: 1) o teatro e o romance de viés historicista romântico – considerado como antecipador das manifestações Neo-Românticas –, calcado sobretudo no patriotismo, na decadência da burguesia rural e na expectativa da expansão colonialista na África, de que podem ser exemplos Cenas de vida heróica, Henrique Lopes de Mendonça (1856-1931), Alcácer Quibir, de D. João da Câmara (1852-1907), Os Teles de Albergaria, de Carlos Malheiro Dias (1875-1941), Pátria Portuguesa, de Júlio Dantas (1876-1962); 2) o neogarretismo postulado em Palavras Loucas, de Alberto de Oliveira (1873-1940), que considerou, equivocadamente, o de António Nobre (1967-1900) como melhor exemplo dessa tendência; 3) o nacionalismo literário e o ruralismo de Os meus amores, de Trindade Coelho (1861-1908); 4) a valorização das tradições populares associada à revivescência da forma, em Afonso Lopes Vieira (1878-1947); 5) a valorização das tradições populares, da simplicidade e da oralidade, em Os Simples, de Guerra Junqueiro (1850-1923); 6) o Saudosismo de Teixeira de Pascoaes (1877-1952); 7) o Neo-Lusitanismo, de que Manuel da Silva Gaio (1861-1934) pode ser o exemplo mais bem acabado; 8) o Integralismo Lusitanista,  de António Sardinha (1888-1925).

O Neo-Romantismo está fundamentado no princípio academizante e em doutrinas ideologicamente assentadas que possibilitam divisar os valores que geraram o movimento e determinaram o seu desdobramento em outros ismos, como Neogarrettismo, Tradicionalismo, Neo-Lusitanismo (ou Neo-Romantismo Lusitanista), Integralismo Lusitano – designados de passadistas e monárquicos –, Saudosismo e Vitalismo (ou Neo-Romantismo Vitalista) – que perfilavam com o republicanismo e com o naturalismo. As diferenças entre essas tendências neo-românticas foram reiteradas também em revistas específicas que se tornaram porta-vozes de órgãos, como a Renascença Portuguesa, ligada ao Saudosismo, ou de grupos, como a revista A Arte, dirigida por Eugénio de Castro e Manuel da Silva Gaio.

A poética neo-romântica considerada de uma perspectiva ampla permite reconhecer como seu núcleo gerador a dissensão ôntica e existencial, polarizada entre a vocação angelical e a consciência da condição degradada; a ascensão do Amor, que se manifesta de modo integral quer pelo erotismo, quer pela afetividade, quer pela elevação moral pelo desejo, quer pelo fato de os amantes se constituírem mutuamente como indivíduos através do Amor; a concepção de que o escritor (o poeta, sobretudo) deve caracterizar-se pela consciência literária e lingüística, segundo a qual ele cumpre missão profética, instruindo, educando o leitor (função emancipadora e humanística da literatura) e refinando a língua. Tratando ainda do núcleo gerador, avultam a noção da alma pátria, constituída e reiterada pela literatura, que deve promover a nação e o que a caracteriza; a precedência da Poesia sobre o texto; a função emocional da literatura, na perspectiva de que comove, faz mover as emoções.

Quanto ao desdobramento do Neo-Romantismo em outros ismos, nos últimos anos do século XIX desponta o neogarretismo, cujo princípio básico é o folclorismo segundo o qual o campo, a ruralidade aldeã, e o povo devem ser fomentados, respectivamente, como conjuntura edênica e como manifestação natural do passado nacional. Ambas as perspectivas constituem refúgio evasivo, para onde o homem coetâneo foge do presente decepcionante, e reação anti-positivista e, do ponto de vista estético-formal, representam a formulação do popularismo estético e a valorização do lirismo e do folclorismo tradicional popular.

Esse aspecto etnografista do novi-romantismo pode ser percebido também nas obras de Luís de Magalhães, Moniz Barreto, Trindade Coelho, Manuel da Silva Gaio, os quais são apresentados pelo último no artigo de abertura da revista Arte como “La Jeune Littérature Portugaise” (1895). Entrementes, aqui se configura a vertente Neo-Lusitanista, que, como a anterior, guia-se pelo nacionalismo literário – ou, se preferir, pelo idealismo nacionalista de Oitocentos –, mas assume características próprias, como a ligação ao drama histórico, o romantismo amoroso sentimental derivado de João de Deus, a convicção de que para todas as coisas há uma finalidade teológica predeterminada e originária compatível com a ordem social em que aparece, o visionarismo sebastianista. Na obra de Afonso Lopes Vieira, nota-se a valorização de temas românticos da história, da simplicidade popular e infantil, além de versificação requintada. É interessante notar que o Neo-Lusitanismo pretende-se como reação ao ruralismo e ao tradicionalismo, embora a eles esteja ligado, o que aponta para o fato de que, embora confluentes e correlacionadas, as tendências neo-românticas muito freqüentemente sobrepuseram-se e combateram umas às outras.

Nas vertentes comentadas, sobressai a noção de gênio autóctone, segundo a qual a nação somente pode ser concebida numa perspectiva de ser universal, absoluto, que norteia toda e qualquer ação individual assim como a constituição do ser na sua individualidade. Daí que despontem os temas, vindos do Romantismo, interessados em constituir e representar o ser pátrio, tais como: a vocação de grandeza (a ser recuperada), a tradição marítima e rural, a inclinação expansionista e colonialista, a evocação de fatos históricos relevantes, a exaltação da pátria.

Prosseguindo na linha nacionalista, opondo-se, entretanto, ao patriarcalismo rural e à elevação de figuras e acontecimentos pátrios decorridos, surge o Neo-Romantismo saudosista (Saudosismo), de que Teixeira de Pascoaes foi principal mentor. Com a proposta de intervir amplamente na conjuntura da vida nacional coetânea, seja através da produção literária nomeadamente poética, seja através da “Renascença Portuguesa”, de que a revista A Águia (2ª série, 1912) foi órgão, o Neo-Romantismo saudosista defende a existência de uma “alma lusitana” genuína, original, concepção filosoficamente assentada na saudade – sentimento desenvolvido pela compreensão de que a alma humana busca o contato material e espiritual com as coisas e os seres que contempla. Nessa orientação, se enquadram nomes como os de António Corrêa d’Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Mário Beirão, que haviam perfilado com o Neo-Lusitanismo; na orientação, mais positivista se pode dizer, de ação e intervenção cultural, cívica e pedagógica com vistas ao progresso e à modernização das estruturas sócio-econômico-políticas destacam-se Raul Proença, Leonardo Coimbra e António Sérgio, grupo de que decorrerá a revista Seara Nova (1921).

Salvaguardadas as diferenças apontadas, vê-se que essas vertentes nacionalistas definem-se pela reconstituição de coisas dos tempos idos, quer do ponto de vista do passado histórico nacional, quer da busca ôntica pela “alma lusitana”, o que poderia levar a entender a passagem de determinados autores de uma vertente para outra. A linha temática de reconstituição passadista se acentua decisivamente depois de 1910 e coincide com outra linha temática, a do surto historicista que esteve presente tanto em obras do núcleo republicano da “Renascença Portuguesa” como em obras de autores adeptos do monárquico Integralismo Lusitano (1914), que se opunha àquele e que, tendo António Sardinha como principal representante, existiu como vertente Neo-Romântica e como mentalidade política associada ao – e muitas vezes confundida com o – Estado Novo. A ação do Integralismo Lusitano faz-se notar em várias áreas da vida intelectual portuguesa: quer como organização associada ao Estado Novo, quer como organização vinculada a setores monárquicos ditos moderados, quer como escola artística, em que são valorizados a estreita relação entre Ética e Estética, a tradição literária clássica, o heroísmo espiritual e moral, a crítica social, a presença dos ideais políticos no âmbito da poesia. Destacam-se autores como Pequito Rebelo, Rolão Preto e Alberto de Monsaraz.

Está claro que a entrada do século XX, nomeadamente da sua segunda década, com acontecimentos histórico-culturais e sociais particulares, direciona o nacionalismo literário para novas vertentes, com características específicas, determinadas não somente pela conjuntura político-social portuguesa – que, de 1910-1925, abre espaço tanto para o caráter reformista da República, quanto para o movimento neo-monárquico representado pelo Integralismo Lusitano –, mas também pela conjuntura mundial de Primeira Grande Guerra e dos problemas econômicos por ela gerados. Na primeira década da centúria em tela, há a agudização, em projeção extra-literária do Neo-Romantismo, dos debates ideológicos acerca da continuidade da política colonial monárquica, das tradições nacionais populares, da manutenção da democracia pequeno-burguesa, do radicalismo pequeno-burguês embasado pelo naturalismo. Esse sustenta-se pela crença no progresso humano a partir do mecanicismo, da máquina e da técnica, pela crença na exaltação emancipalista que reitera a plena liberdade civil e política, e pela idéia de que a realidade obedece à leis científicas absolutas.  Tais características constituíram o fundamento do Neo-Romantismo Vitalista (Vitalismo), que, herdeiro da lucidez desencantada e desenganada de Oitocentos, pretendeu desmistificar o Neo-Romantismo tradicionalista fundado na evasão pitoresca e castiça, na exaltação da panacéia rural patriarcal. Carlos Malheiro Dias, por exemplo, inscreve-se na evolução do naturalismo e do republicanismo de feição agnóstica e mecanicista assim como efetivamente se opõe às doutrinas idealistas contrárias ao otimismo racionalista e progressista. Importa notar, entretanto, que nos anos da 1ª Guerra Mundial, há um declínio do Vitalismo e do Saudosismo, em vista da indefinição dessas correntes – que se vêem na necessidade de recorrer ao jacobinismo, aos mitos históricos nacionais, aos elementos, imagens e linguagem tradicionais – na conjuntura de guerra e assiste-se ao desenvolvimento do Integralismo Lusitano.

Dentre as muitas revistas que surgiram no período de 1910 a 1925, várias dialogam com o Neo-Romantismo e por vezes definiram-se como de “ressurgimento nacional”, como a Alma Nova (1914); como predominantemente integralista, caso de Exílio (1916) – apesar de ser tida por alguns críticos como continuidade da proposta modernista lançada com Orpheu, haja vista nela terem colaborado Fernando Pessoa e António Ferro, p. ex. – e católico-integralista, como a Nação Portuguesa (1914); como eminentemente lusitanista – Serões (1901-1911). Entretanto, uma questão estética importante esteve presente em alguns periódicos que, embora ligados às variantes ideológicas do Neo-Romantismo, procuram, a um só tempo, constituir o que se pode chamar de modernismo ético, concebendo a Arte num sentido transcendente de purificação e de salvação do homem, e ser conjuntura de discussão político-doutrinária. É o caso, por exemplo, de A Ideia Nacional e da Revista Portuguesa: A Ideia Nacional (1915), revista monárquica dirigida por Homem Cristo Filho, tentou aproximar-se, ainda que de modo fugaz, das vanguardas modernistas: José Pacheco foi seu orientador gráfico e Almada Negreiros foi um dos principais ilustradores; a Revista Portuguesa (1923), tradicionalista na concepção política e doutrinariamente próxima do Integralismo Lusitano, propôs, através de seu diretor Victor Falcão, discutir o que era ser vanguarda intelectual e artística à sua época. Trata-se, portanto, de dois periódicos de natureza conservadora, de viés neo-romântico, procurando conciliar-se com a ousadia estética vanguardista.

Como se tratou de demonstrar, as tendências Neo-Românticas são policêntricas e convergentes e entre 1910 e 1925, ainda que se resista à caracterização, poder-se-á conjecturar a constituição de um estilo de época denominado Neo-Romantismo, derivado em várias confluências que caminham ao lado do vanguardismo estético da primeira geração modernista.

 

 

BIBL.: Veiga Simões, A nova Geração, Coimbra, França Amado, 1911; José Carlos Seabra Pereira, O Neo-Romantismo na Poesia Portuguesa (1900-1925), Universidade de Coimbra, Coimbra, 1999; Fernando Guimarães, Poética do Saudosismo, Lisboa: Presença, 1988.

 

 

Annie Gisele Fernandes