Dentro dos seus inúmeros textos sobre o paganismo ou neo-paganismo existem várias anotações que permitem crer que Pessoa tencionava comparar o fundador do cristianismo com algo que os gregos antigos chamaram de Logos. Esta tentativa significa principalmente a justificação de uma tese filosófica que aproxima o paganismo do cristianismo. Estas aproximações foram bastante comuns no pensamento ocidental do século III, e discutidas particularmente na corrente filosófica do neoplatonismo. Embora o neoplatonismo se baseie nos diálogos de Platão, a filosofia neoplatónica diferenciou-se muito dos ensinamentos da academia de Atenas. Porém, o neoplatonismo influenciou bastante os pensadores do Renascimento e teve, segundo Pessoa, alguns pontos em comum com os chamados gnósticos. Algumas partes da sua obra, e especialmente da sua leitura, indicam que Pessoa se deixou influenciar, para além de Plotino, sobretudo pela escola neoplatónica de Alexandria na qual se tentou resolver ou ultrapassar, por exemplo, a dicotomia entre o monoteísmo e o politeísmo. Neste contexto, Cristo foi pensado como o Logos (numa outra terminologia neoplatónica também como Verbo ou Inteligência), isto é como género intermediário entre um Uno indescritível e a nossa pluralidade mundana. Distanciando-se implicitamente do pensador Philo de Alexandria, que tentou juntar a filosofia grega à religião judaica, Pessoa descreveu esta situação da maneira seguinte: “Na proporção em que Cristo é, não um deus, ou um semi-deus, judeu, mas o Logos abstracto dos gnósticos, ponto intelectual por onde passa a emanação divina – o christianismo é legítimo, porque é um completamento, um prolongamento, um aprofundamento do paganismo. Tanto é um prolongamento do paganismo que não entra em conflito com ele. Pagãos eram os filósofos neoplatónicos da escola de Alexandria.” (F. Pessoa, Textos Filosóficos I, Ática, Lisboa 1968, p. 107). E de facto, uma forte influência do neoplatonismo encontra-se particularmente nos textos pessoanos sobre o Paganismo Superior. Nestes e noutros textos existem várias afirmações que revelam uma relação directa entre o entendimento do paganismo de Pessoa (entendido aqui como um membro do projecto neo-pagão) e a filosofia neoplatónica. Assim, lemos num dos seus textos programáticos a frase seguinte: “Eu sou um pagão decadente (…) místico intelectual da raça triste dos neoplatónicos de Alexandria. Creio, como os neoplatónicos, no Intermediário Intelectual, Logos na língua dos filósofos, Cristo (depois) na mitologia cristã. Nisto consiste a minha heterodoxia pagã.” (F. Pessoa, Obra em Prosa, Nova Aguilar, Rio de Janeiro 1990, p. 169). Trata-se de um entendimento do paganismo totalmente rejeitado pelos outros heterónimos, tais como António Mora e Ricardo Reis, alegando que um “paganismo heterodoxo” significa, no seu sentido mais íntimo, uma abolição da religião politeísta dos gregos antigos. E, finalmente, na obra pessoana podemos encontrar uma certa interferência das ideias neoplatónicas, embora de forma muito indirecta, nomeadamente nos poemas esotéricos.

 

BIBL.: Dix, S., “O Poeta «animated by philosophy» ou A Admiração perante a Existência do Universo”, in: Dix, S. e Pizarro, J. (org.), A Arca de Pessoa, Lisboa 2007.  Dix, S., Heteronymie und Neopaganismus bei Fernando Pessoa, Würzburg 2005. Rebelo, L.S., “Alberto Caeiro e o Neopaganismo”, in: Poemas Completos de Alberto Caeiro, Lisboa 1994.

 

Steffen Dix