(1864 – 1936)

Miguel de Unamuno, ensaísta, poeta, narrador, dramaturgo e crítico literário, é um dos pensadores espanhóis mais importantes do século XX. A sua vida esteve ligada, desde 1891, à Universidade de Salamanca, em que foi professor catedrático de grego e Reitor em duas ocasiões separadas pelo seu exílio político. A sua conhecida frase “¡Me duele España!” é o fiel reflexo da sua preocupação com a situação social e anímica do seu país, num clima estético em que rejeita abertamente os jovens escritores modernistas. No entanto, Unamuno foi uma das figuras intelectuais mais respeitadas tanto em Portugal (onde cultivou, especialmente, as amizades de Eugénio de Castro, Teixeira de Pascoaes e Manuel Laranjeira) como em Espanha, graças a obras fundamentais como En torno al casticismo (1895), Vida de Don Quijote y Sancho (1905), Del sentimiento trágico de la vida (1913) ou La agonía del cristianismo (1925). Autor de uma vastíssima obra, na sua narrativa destacam-se títulos como Niebla (1914) ou San Manuel Bueno, mártir (1933), e na sua poesia El Cristo de Velázquez (1920).

A sua paixão por Portugal é demonstrada, especialmente, no volume Por tierras de Portugal y España (1911), em que aparecem comentários sobre uns quantos escritores lusos da órbita finissecular. Foi, também, colaborador da revista A Águia, em cujo círculo encontrou bastante eco público. Mário de Sá-Carneiro envia-lhe A Confissão de Lúcio e Dispersão em Dezembro de 1913 pedindo-lhe a sua opinião crítica, mas parece que o escritor espanhol não chegou a dedicar-lhe mais que uma breve nota de recepção, como parece demonstrar a carta que lhe remete Sá-Carneiro em 6 de Fevereiro de 1914, em que se queixa subtilmente do silêncio a que o submeteu Unamuno. Este silêncio, motivado sem dúvida pela escassa atenção que dedicou quase sempre o espanhol aos jovens escritores modernistas ou vanguardistas, origina vários comentários corrosivos dedicados pelo jovem Sá-Carneiro a Unamuno na sua correspondência com Fernando Pessoa, em que ridiculariza a sua destituição como Reitor da Universidade de Salamanca.

Unamuno aparece várias vezes nos textos pessoanos. Em 1915 recebeu a revista Orpheu, pois o seu nome aparece entre um grupo seleccionado de críticos literários espanhóis destinatários da revista numa lista manuscrita elaborada num papel do Restaurante Irmãos Unidos. De facto, em 26 de Março de 1915, Pessoa escreve a Unamuno uma provocadora carta que acompanha o envio da revista, na qual solicita também um comentário crítico na imprensa espanhola que parece que nunca se chegou a produzir:

 

Por este correio enviamos a V. Exa.o primeiro número da nossa revista Orpheu. Como depreenderá de uma, ainda que rápida, leitura, esta revista representa a conjugação dos esforços da nova geração portuguesa para a formação duma corrente literaria definida, contando e transcendendo as correntes que teem prevalecido nos grandes meios cultos da Europa.

(F. Pessoa, Correspondencia 1905-1922 (ed. Manuela Parreira da Silva), Lisboa, Assírio&Alvim, 1998, pp. 158-159)

 

Pessoa refere-se também a Unamuno num interessante fragmento em que comenta as diferenças entre o meio culto e literário de Portugal e Espanha, situando-o entre um pequeníssimo grupo de selectos escritores:

E, assim, não há em Espanha hoje uma figura de real destaque genial: o mais que há é figuras de grande talento –um Diego Ruiz, um Eugenio d´Ors, um Miguel de Unamuno, um Azorín (…)

(F. Pessoa, Páginas sobre literatura e estética (ed. António Quadros), Lisboa,. Europa-América, 1986, pp. 131-132)

Noutro texto mais tardio, muito provavelmente um pouco posterior a 1930, Pessoa parece comentar as declarações feitas por Unamuno numa entrevista concedida a António Ferro para o Diário de Notícias, nas quais o espanhol propunha o castelhano como a língua de maior difusão peninsular. O fragmento não esconde alguma elegante amargura por parte de Pessoa:

Unamuno´s argument is really an argument for writing in English, since that is the most widespread language in the world. If I am to abstain from writing in Portuguese, because my public is limited thereby, I may just as well write in the most widespread language of all. Why should I write in Castilian? That U. may understand me? It is asking too much for too little.

(F. Pessoa, Da República (1910-1935) (org. E int. Joel Serrão), Lisboa, Ática, 1979, p. 370).

Por tudo isto, a possível relação entre ambos os escritores foi apenas um reflexo do universo das suas preocupações vitais e estéticas, em que é tão fácil delinear a história dos seus (des)encontros como das suas (in)diferenças.

 

García Morejón, Julio, Unamuno y Portugal, Madrid, Gredos, 1971.

Marcos de Dios, Ángel, Epistolario portugués de Unamuno, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1978.

Marcos de Dios, Ángel, Escritos de Unamuno sobre Portugal, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

 

Antonio Sáez Delgado