Em carta de 13 de Janeiro de 1935, pouco tempo depois de publicada a “Mensagem”, Fernando Pessoa escrevia a Adolfo Casais Monteiro: “Comecei por esse livro as minhas publicações pela simples razão de que foi o primeiro livro que consegui, não sei porquê, ter organizado e pronto. Como estava pronto, incitaram-me a que o publicasse: acedi”. Na mesma carta, Pessoa esclarecia: “Quando às vezes pensava na ordem de uma futura publicação de obras minhas, nunca um livro do género de “Mensagem” figurava em número um”. Porém, dois anos e meio antes, em 28 de Julho de 1932, Pessoa tinha outros planos: como então informara João Gaspar Simões, “A intenção, possivelmente provisória, em que estou agora é de publicar, sendo possível este ano, ou na passagem dele para o outro, o Portugal [a futura “Mensagem”] e o Cancioneiro. O primeiro está quase pronto e é livro que tem possibilidades de êxito que nenhum dos outros tem (...)”. Mas “Portugal” não estava “quase pronto” em 1932. Só o viria a estar em 1934, quando, com vista à iminente publicação para efeitos do concurso do S.P.N., Pessoa escreveu entre Janeiro e Abril os últimos poemas que integrou na versão final entregue à tipografia.

Na citada carta para Casais Monteiro, Pessoa afirma que foi incitado a publicar a “Mensagem”. A edição do livro e a sua apresentação ao concurso foram efectivamente precedidos de um lobby constituído por, pelo menos, quatro amigos do Poeta: Augusto Ferreira Gomes, Augusto Cunha, Almada Negreiros e o próprio António Ferro, director do S.P.N.. Como Pessoa era um autor voluntariamente isolado, tornava-se necessário promover a sua imagem e a sua obra junto do grande público e, de caminho, influenciar o júri do concurso. A primeira iniciativa do lobby, em 16 de Junho de 1933, foi a publicação no jornal A Revolução dos doze poemas de “Mar Português”, que Pessoa tinha publicado onze anos antes na Contemporanea. A segunda intervenção deu-se no mês seguinte: a pré-publicação de três poemas - “O Infante D.Henrique”, “D. João o Segundo” euma primeira versão de “Afonso de Albuquerque”- na revista O Mundo Português, editada pela Agência Geral das Colónias e pelo Secretariado da Propaganda Nacional. O terceiro (e mais importante) momento do lobby ocorreu em 14 de Dezembro seguinte: uma página inteira do Suplemento Literário do Diário de Lisboa dedicada a Pessoa e à “Mensagem”: uma entrevista conduzida por Artur Portela, acompanhada dos poemas “O Infante”, “O Mostrengo” e “Prece”, com desenhos inéditos de Almada Negreiros.   A quarta peça jornalística foi a publicação, em 23 de Dezembro, em O Notícias Ilustrado (já o livro tinha sido posto à venda), de um retrato de Pessoa e de uma nota, não assinada e altamente elogiosa, sobre a “Mensagem”. Esta última peça jornalística era, sem dúvida, obra de Augusto Ferreira Gomes. Estava-se nas vésperas da decisão do júri.

Na entrevista do Diário de Lisboa, Pessoa afirmava que o seu objectivo com a “Mensagem” era “Projectar no momento presente uma coisa que vem através de Portugal, desde os romances de cavalaria. Quis marcar o destino imperial de Portugal, esse império que perpassou através de D. Sebastião, e que continua, ‘há-de ser’”. Dir-se-ia que, com estas palavras, prevenia desde logo que o nacionalismo da obra – característica exigida pelo regulamento do S.P.N. – ir muito além do cânone do Estado Novo, para cujos próceres o “destino imperial de Portugal” era já então uma realidade e não uma meta futura a atingir.

De resto, nas explicações dadas a Casais Monteiro na citada carta de 13 de Janeiro de 1935, Pessoa esclarecia que convinha que aparecesse e “aparecesse agora” a sua faceta de “nacionalismo místico”, embora “de certo modo secundária” na sua personalidade. E precisava, cripticamente: “Coincidiu, sem que eu o planeasse ou o premeditasse (sou incapaz de premeditação prática), com um dos momentos críticos (no sentido original da palavra) da remodelação do subconsciente nacional. O que fiz por acaso e se completou por conversa, fora exactamente talhado com Esquadria e Compasso, pelo Grande Arquitecto”.

Ajudado e encorajado pelos amigos, que o tinham convencido da possibilidade de êxito no concurso do S.P.N. e esperançado em ver, finalmente, uma parte da sua obra apresentada ao público leitor em geral de forma autónoma - e não, como até então, dispersa nas páginas de jornais e revistas -, Fernando Pessoa tomou, pela primeira vez, a decisão prática de terminar e publicar um livro.

A composição e impressão da “Mensagem” foram feitas, por instigação de Augusto Ferreira Gomes, na Editorial Império. Com a obra já em provas finais, Fernando Pessoa substituiu o título original “Portugal”, pelo de “Mensagem”, justificando a substituição “por não achar a sua obra à altura do nome da Pátria” e por considerar que o novo título (que aliás tinha o mesmo número de letras do primeiro) estava “mais dentro da índole do trabalho”.

Como informa o cólofon, o volume foi terminado durante o mês de Outubro do anno de 1934, da era do Christo de Nazareth”.  Publicado sob a chancela da  Parceria António Maria Pereira, foi posto à venda no dia 1 de Dezembro de 1934, por decisão (significativa) de Pessoa. A obra teve, pelo menos, oito recensões críticas na imprensa do tempo: de João Ameal (Diário da Manhã), Eugénio Navarro (A Verdade), Alice Ogando (O Diabo), Agostinho de Campos (Comércio do Porto), João de Castro Osório (Diário de Lisboa), José Régio (Presença) e um anónimo (Arquivo Nacional), todas favoráveis; e uma, desfavorável, de Thomaz Ribeiro Colaço (Fradique).

No dia 31 de Dezembro, os jornais anunciavam os resultados do concurso do S.P.N., no qual à “Mensagem”era atribuído o “Prémio Antero de Quental” , (mil escudos), na categoria de “Poema ou poesia solta”. Na categoria de “Livro de versos com mais de cem páginas”, o “Prémio Antero de Quental” (cinco mil escudos) foi atribuído à obra “Romaria”, do Padre Vasco Reis. O júri, presidido por António Ferro (que não interveio das deliberações), era constituído por Alberto Osório de Castro, Mário Beirão, Acácio de Paiva e Teresa Leitão de Barros.

Perante a (inesperada) decisão do júri, baseada num formalismo regulamentar, António Ferro decidiu, como director do S.P.N., elevar para cinco mil escudos o prémio atribuído à “Mensagem”, “atendendo ao alto sentido nacionalista da obra e ao facto do livro ter passado para a segunda categoria apenas por uma simples questão de número de páginas”.

A “Mensagem” não recebeu, portanto, um prémio “de consolação” ou “de segunda”, como, na esteira de João Gaspar Simões, alguns críticos insistem ainda em referir, mas sim o “Prémio Antero de Quental” na categoria de “poema ou poesia solta”, prevista no regulamento.  Este impunha que, para serem consideradas na categoria “livro de versos”, as obras tivessem mais de cem páginas. Mas, na sua edição original, a “Mensagem” é um volume de 104 páginas (das quais 102 numeradas), total que é resultado de uma paginação generosa: 29 páginas em branco e 16 contendo apenas títulos e legendas. Tudo aponta para que a paginação tenha sido obra de Augusto Ferreira Gomes, com vista à apresentação da obra ao concurso do S.P.N. De facto, Armando de Figueiredo, proprietário e gerente da Editorial Império, contou mais tarde que Fernando Pessoa ia regularmente à tipografia rever as provas do livro mas “se os seus afazeres não lhe permitiam aparecer, a revisão era feita pelo seu amigo Augusto Ferreira Gomes, com quem tinha grande intimidade”.

A segunda edição foi publicada em 1941 pelas Edições Ática, com a chancela da Agência Geral das Colónias. Segundo uma nota inserida no final do volume, “foram corrigidos e datados alguns poemas, conforme um exemplar da primeira edição revisto pelo autor”. Tornado em vulgata, este texto constituiu, na sua terceira edição, o Volume V das “Obras Completas de Fernando Pessoa” da Ática, publicado em 1945. A partir da sexta edição (1959), o volume da Ática inclui uma nota introdutória de David Mourão-Ferreira, justificando a actualização ortográfica do texto. A primeira (e até aqui única) edição crítica foi publicada em 1993 na “Colecção Archivos” tendo como coordenador José Augusto Seabra, autor da “Introdução”e, com Maria Aliete Galhoz, de uma “Nota filológica preliminar”, do estabelecimento do texto e das notas.

 

 

Bibliografia essencial

 

- Armando de Figueiredo, "No XIV aniversário da morte de Fernando Pessoa. Algumas revelações curiosas do seu primeiro impressor Armando de Figueiredo". In Átomo, II, 23, Lisboa, 11/30/1949, pp. 16 e 21.

- Teresa Sobral Cunha, "'Mensagem': incursão pelos arredores de um título". In Seara.Nova, 2, Lisboa, Outono 1985, pp. 30-31.

- FERNANDO PESSOA. MENSAGEM. POEMAS ESOTÉRICOS. Edição crítica. José Augusto Seabra, Coordenador. Madrid: Archivos-Fundação Eng. António de Almeida, 1993. [2ª. ed., 1996]

 

José Blanco