Nasceu e morreu em Lisboa. Designava-se a si próprio «arquitecto pela graça de Deus» e assinava «Pacheko». Realizou poucas obras como arquitecto e como pintor, mas teve intensa actividade como animador cultural e artista gráfico. Terá certamente realizado numerosos desenhos, quase todos perdidos. Restam esboços e apontamentos bastante pessoais que testemunham a personalidade multifacetada de Pacheko, as suas curiosidades pelas novidades artísticas nas mais variadas modalidades, interessando-lhe particularmente a tendência simbolista herdada do final do século xix. Por este aspecto se compreende a sua imediata identificação com o poeta Mário de Sá-Carneiro. Nas ansiosas cartas enviadas por este poeta a Pacheko, durante o mês de Outubro de 1913, pode observar-se a confiança depositada no artista gráfico «[...] Vai juntamente a poesia que abra o livro Partida e que você ontem me pediu [...] Mando-lhe também a intitulada “Dispersão” porque é fundamental da minha série: aquela aonde melhor se encerra a ideia central de todas as poesias. Talvez a capa deva melhor sair desta (Dispersão) do que da primeira (Partida). Isso melhor verá o meu amigo. É mesmo só consigo [...]» (Sá-Carneiro). O conjunto das doze poesias ficou efectivamente submetido ao título «Dispersão». O desenho da capa apresenta uma amálgama de figuras, em contornos abertos, que evocam um rosto de homem e outro de mulher, muralhas, uma escada, um nu feminino, uma mão esguia, tudo encimado por uma desproporcionada vela acesa, com a sua chama vertical, e, em baixo, uma asa enorme imprime ao conjunto a energia de um rodopio. Tal desenho parece anunciar o carácter introspectivo da poesia de Sá-Carneiro, no seu simbolismo expressionistamente exacerbado.
Dos seus irregulares estudos de Arquitectura, destacam-se os projectos de Casinos, cerca de 1907, a sua colaboração com o escultor Francisco Franco num projecto de 1910 para um monumento alusivo à Guerra Peninsular, no Porto. O arquitecto Norte Junior teve-o como aluno do seu curso livre. Mas os seus anseios artísticos depressa o levaram para Paris. Em 1910, instalou-se em Montparnasse, na «Cité Falguière», no atelier do pintor Amadeo de Sousa-Cardoso. Em Paris ter-se-á encontrado com os portugueses a quem a arte moderna começava a interessar: os pintores Amadeo, Jorge Barradas, Manuel Bentes, José Campas, Francisco Smith, Santa-Rita e Carlos Franco, que morreria na Guerra de 1914-1918; os escultores Francisco Franco e Diogo de Macedo; o jornalista Homem Cristo Filho e o poeta Sá-Carneiro. Tal como este poeta, não aderiu facilmente ao cubismo que os intrigava, mas foi inteiramente conquistado pelos bailados russos.
Regressando a Lisboa, em 1913, intensificou a sua amizade com Sá-Carneiro, que o deve ter apresentado a Fernando Pessoa. Mas a permanência em Lisboa durou pouco tempo, pois que, em Dezembro de 1913, Pacheko casou com a jovem pintora Maria Etelvina Lobo dos Santos e Silva e logo seguiu com a mulher para Paris, de onde manteve correspondência com Sá-Carneiro. Sempre interessado no bailado mais moderno, assistiu aos espectáculos de Isadora Duncan e representou-a em guaches brancos e sanguíneos, mostrando-a em variadas posições baléticas.
Talvez por motivos económicos, voltou a Lisboa em meados de 1914. Com o início da Guerra Mundial, outros artistas e poetas abandonaram Paris e regressaram a Portugal, na esperança de que a Guerra seria pouco demorada.
Entretanto, estava-se estabelecendo um grupo de personalidades fortemente individualizadas, mas que se respeitavam mutuamente. «Na formação do Orpheu os primeiros nomes que aparecem são as do poeta português Luís de Montalvor e o escritor brasileiro Ronlad de Carvalho. A seguir vêm Fernando pessoa e Mário de Sá-Carneiro. A este juntam-se-lhes José Pacheco, Santa-Rita Pintor, José de Almada Negreiros, Eduardo Guimarães (brasileiro), Alfredo Guisado e Cortes Rodrigues.» (Almada Negreiros, Diário de Lisboa de 8-03-1935). O primeiro número da revista Orpheu teve capa de José Pacheko. Pela mesma altura, realizou também a capa de Céu em Fogo, de Sá-Carneiro. Pouco antes, no mês de Março, publicou três desenhos estilizados de temática rústica na revista O Ocidente. Esta actividade gráfica pública, que era apreciada, fê-lo acreditar na possibilidade de ele próprio organizar uma revista: A Contemporânea. Chegou a ser lançado um número-anúncio, em 1915, com capa de Almada e cartaz de António Soares. Mas só alguns anos mais tarde esse seu projecto veio a concretizar-se a partir de Maio de 1922, de novo com capa de Almada e financiamento do industrial Agostinho Fernandes.
O segundo número da revista Orpheu levou o médico e escritor Júlio Dantas a declarar que os seus colaboradores eram doidos. Almada ripostou com um violento Manifesto Anti-Dantas. Este escândalo levou o pintor Amadeo de Souza-Cardoso a enviar um postal de apoio a Almada. Desse modo, Amadeo passou a fazer parte do grupo, e reproduções de pinturas suas fariam parte do terceiro número de Orpheu, caso este viesse a ser publicado, o que não aconteceu; apareceram porém no Portugal Futurista (1917).
A atenção crescente às inovações pictóricas por parte dos componentes do grupo da revista, assim como dos seus simpatizantes, ficou marcada por dois acontecimentos: um, a exposição de Amadeo realizada no Porto e em Lisboa, em 1916; outro, a presença em Portugal de Robert e Sonia Delaunay, refugiados da Guerra, desde o Verão de 1915. Formou-se então um grupo constituído pelos Delaunay, Amadeo,José Pacheko, Almada e Eduardo Viana. Autodesignava-se «Corporation Nouvelle» e dispunha-se a realizar exposições itinerantes. Amadeo chegou a realizar estudos e pinturas alusivas à Corporação, mas as «expositions mouvantes» não se concretizaram, devido a vicissitudes de vária ordem, seja o empenho frustrado na realização do terceiro número da Orpheu, seja o suicídio de Sá-Carneiro, seja, finalmente, a expulsão dos Delaunay de Portugal, em 1917, por suspeita de espionagem.
A ligação íntima entre os Delaunay e os poetas Appollinaire e Blaise Cendrars talvez explique a presença dos nomes destes na capa da revista Portugal Futurista. E também o arranjo gráfico que Amadeo fez para o texto K4Quadrado Azul de Almada terá sido sugerido pelo célebre tratamento gráfico feito por Sonia ao poema de Cendrars Le Transiberien.
Pacheko não era um companheiro passivo dos grandes criadores. Pelo contrário, era o aglutinador dos grupos modernistas, quer se tratasse de poesia, de teatro, de bailado ou de pintura, e procurava dar-lhes presença pública. Em 1916, criou uma Galeria das Artes, na Rua Serpa Pinto (Lisboa); em 1915, organizara com Pessoa o Orpheu 3; em 1917, assinou com Almada e Rui Coelho o Manifesto a favor dos Bailados Russos, no Portugal Futurista; em 1918, concebeu o cenário do bailado A Princesa dos Sapatos de Ferro e outros; em 1918, promoveu no Grémio Literário um Salão Infantil; em 1919, juntamente com o músico Rui Coelho, o poeta Acácio Leitão e o pintor Manuel Jardim, promoveu uma Sociedade Portuguesa de Arte Moderna, sem futuro, porém, o que o levou, dois anos depois, a tentar modernizar a Sociedade Nacional de Belas-Artes, então inteiramente submetida à estética naturalista... Os desaires não o fizeram desanimar. E, assim, em 1922, realizou a obra mais duradoira, dentro do seu espírito empreendedor: a já citada revista Contemporânea, que ficou como um marco na história das artes gráficas portuguesas. Neste aspecto, a revista mereceu os maiores elogios dos artistas mais entendidos, como Bernardo Marques, Diogo de Macedo e outros. Foram publicados nove números em 1922-1923, um em 1924 e três em 1926. Através da Contemporânea, Pacheko promoveu conferências, concertos, exposições e prémios literários e artísticos; procurou também embelezar Lisboa com esculturas subsidiadas por bancos.Em 1925, Pacheko serviu de intermediário entre o arquitecto Norberto de Araújo e os pintores na nova decoração do café A Brasileira do Chiado (Lisboa). Foram estes Almada, Eduardo Viana, Barradas, Soares, Bernardo Marques, Stuart Carvalhais e o próprio Pacheko, com colaboração de Eduardo Malta. Neste mesmo ano, juntamente com António Ferro, Pacheko criou o polémico Teatro Novo, que inaugurou em Junho com a peça Knock de Jules Romains.
Em 1929, tentou retomar as edições da Contemporânea, contando com a colaboração de Fernando Pessoa. Mas o agravamento do seu estado de saúde impediu a concretização desse seu desejo. Os últimos anos da sua vida foram passados numa voluntária solidão, com o corpo consumido pela tuberculose e o espírito entregue à religião.
Rui Mário Gonçalves
BIBL.: Gustavo Nobre, «JoséPacheko» in Colóquio-Artes, n.º 35, Dezembro 1977, Lisboa, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian; José-Augusto França, A Arte em Portugal no Século XX, Lisboa, Ed. Bertrand, 1974.