Diário publicado em Lisboa de 4 de Abril a 19 de Maio, com direcção de Boavida Portugal e dedicado em grande parte a defender a ditadura de Pimenta de Castro. Torna-se relevante por, coincidindo com a publicação do Orpheu 1, ter em relação ao grupo modernista uma atitude de simpatia, materializada pelo facto de ter em Pessoa um colaborador desde o primeiro número, entre outros modernistas. Por exemplo, D. Tomás de Almeida, que publica a 9 de Abril as suas paúlicas Tentações de Opala, e ainda entrevistas, com visitas aos ateliers, de artistas como Eduardo Viana (13 de Abril) e Milly Possoz (18 de Abril). Também Albino de Menezes, que assina algumas das «Crónicas da Vida que Passa», que é uma coluna diária na primeira página, no registo paúlico. E ainda Almada, que dá a sua célebre entrevista «O Suposto Crime de Orfeu», ilustrada com uma feroz caricatura do académico.
A colaboração de Pessoa, aliás, tem um final infeliz. Depois de nove colaborações, entre as quais uma recensão de Orpheu em que compara a revista com as Lyrical Ballads, publicação chave do Romantismo inglês, a 22 de Abril surge uma local a explicar que «deixou este senhor de fazer parte da colaboração d’O Jornal», por alegadamente ter desrespeitado um grupo social, o dos chauffeurs, na última das suas «Crónicas da Vida que Passa». De facto, as seis crónicas que publica nessa coluna são de um teor provocatório que vai muito além do suportável pelo senso comum do jornal, cultivando sistematicamente paradoxos e lançando, efectivamente, ideias de uma liberdade violentamente assumida e sem qualquer concessão ao gosto ou à expectativa do leitor. Exemplos: a defesa da incoerência política, devendo-se ser «republicano de manhã e monárquico ao crepúsculo» (Crítica 106) ; a defesa da «desintegração mental» e da «anarquia portuguesa» (Crítica 110-111); o «culto prolixo e doentio da vida interior» (Crítica 113); a defesa da traição como uma «opinião político-filosófica» (Crítica 114); explicando que não pode haver manifestações populares «a favor de alguém; todas são contra os que estão contra esse alguém» (Crítica 119); e afirmando que há «coias feias nestas engrenagens da dialéctica integralista» (Crítica 121), comparando-a de passagem com o facto de a maioria dos chauffeurs guiar mal. Tomando lugar, pois, no momento de Orpheu, estas crónicas são um dos lugares cimeiros da atitude vanguardista em Portugal.
Fernando Cabral Martins