(1899 – 1970)

“A nossa força não tem a proporção dos nossos sonhos”. Estas palavras escritas em O Baptismo de D. Quixote (1944), situam o pensamento do autor entre os parâmetros de um pessimismo quanto às forças humanas e um optimismo decorrente da sua capacidade de sonhar. Denotam, pois, um certo humanismo modernista, apontado por Jacinto Prado Coelho, e a indefinição própria dos momentos de transição aqui representada pelo caminhar do decadentismo-simbolismo para o modernismo. Recorde-se que João de Castro Osório, de seu nome completo João de Castro Osório de Oliveira, poeta, dramaturgo, historiador literário e ensaísta, nasceu em Setúbal no ano de 1899 e viria a falecer no Lagoal (Caxias) com setenta e um anos, em 1970. Filho da escritora Ana de Castro Osório e do poeta e jornalista Paulino de Oliveira, terá convivido desde sempre com o mundo literário a que pertenciam os seus progenitores. Ali terá presenciado o embate provocado pela publicação do Orpheu em 1915 e a subsequente divisão entre os partidários da “tradição” e os apoiantes da ”ruptura” -  os denominados “meninos traquinas” -  entre os que invocavam a “ordem” como valor supremo e os seguidores da “desordem” enquanto atitude criativa por excelência, entre os admiradores da “unidade” e os que sentiam o apelo da “pluralidade”. Pertenceu, pois, a uma geração que se confrontava com as contradições nascidas do despontar de novas ideias que questionavam as existentes. Uma geração que se manifestava sob o signo da “ironia”, entendendo como tal, à maneira de Jankélévitch, “a alegria um pouco melancólica que nos inspira o descobrimento de uma pluralidade” (Dic. Lit., p. 199). João de Castro Osório pretendeu congregar essa pluralidade, que nele se manifestava como uma pluralidade de capacidades criadoras, com a unidade ou ordem da tradição clássica, tentando agrupar nos géneros lírico, épico e dramático as suas criações. Dentro do mesmo espírito de assumpção dos opostos, escreveu, por exemplo, o Manifesto nacionalista, clara expressão do sentido da tradição, e, igualmente, se empenhou na publicação da melhor edição da Clepsidra de Camilo Pessanha, grande amigo de sua mãe. Teria sido este que, “de memória”, lhe teria dado a conhecer a quase totalidade das composições que a viriam integrar. O apelo da tradição fez-se ainda sentir na escolha e tratamento de certos temas, como por exemplo a mar. Tratou-o em O Além-mar na Literatura Portuguesa (1947), conferindo-lhe uma perspectiva histórica que se espelhava também no presente, com referências a Sofia de Mello Breyner e a Fernando Pessoa, entre outros. Esse mesmo passado português e a sua extensão à contemporaneidade, viria a apresentar-se no Cancioneiro de Lisboa (séc. XIII-XX), editado em 1956-1958, no fazer reviver figuras notáveis de então, como a Rainha Santa (1920) e em O Testemunho de Garcia de Resende (1963). Aliás, o acentuado valor que atribuía à tradição e se reflectia, tanto no espírito nacionalista como no interesse pelo passado histórico de Portugal, conduziu ao significado grandioso que imputava à história portuguesa, apresentada como desenvolvimento inevitável de um plano transcendente ainda observável nos tempos presentes. Escreveu neste âmbito além do já referido Manifesto nacionalista (1919) e A Revolução nacionalista (1922). Não muito afastado desta transcendência, mas num outro plano, encontra-se na criação literária de João de Castro Osório a presença da mitologia, numa clara aproximação do Orpheu que, como se referiu, representava a ruptura que o autor não desdenhava, mas que, ao mesmo tempo correspondia a um “retorno em profundidade à fecunda simbologia do mito”, como diria Maria de Lourdes Belchior (Dic. Lit., p. 653). Presente em A metamorfose das ninfas e em Trilogia de Édipo (1964), expressa a adesão a um simbolismo (quiçá) ultrapassado, mas que aliado à invocação da tradição, indicia o pluralismo do modernismo, em clara oposição com unidade anteriormente pretendida. Daqui a complexidade da figura e da obra do autor que, ao procurar dar sentido à adopção de opostos, pretendia superar os limitados contornos da estrutura unitária do pensamento e da acção, e de um pessimismo e optimismo radicais da natureza humana. Em última análise, desejava fazer confluir o passado e o presente, numa atitude única de conjugação de pluralismos. Ou seja, da conjugação das múltiplas potencialidades do ser humano.

 

Bib. Dicionário de Literatura, dir. Jacinto Prado Coelho, Porto, Figueirinhas, 1984; Dicionário de Literatura Portuguesa, dir. Álvaro Manuel Machado, Lisboa, Editorial Presença, 1996.

 

Zília Osório de Castro