(1882-1941)

Desde a década de 1910, se não antes, Pessoa interessou-se pelo caso identitário e literário da Irlanda, decerto pelas suas semelhanças com Portugal, outro país ocidentalíssimo da Europa e então relativamente pobre, politicamente instável, e permanentemente a braços com a sua autodefinição nacional, face a países mais fortes de que tradicionalmente dependia. Isto explica, em parte, as suas leituras de W. B. Yeats e de J. M. Synge, protagonistas da Renascença Literária Irlandesa. Porém, o seu interesse por James Joyce parece ter sido exclusivamente literário. Terá ouvido ou lido, nos jornais estrangeiros que costumava comprar, sobre o escândalo provocado por Ulysses, romance publicado pela primeira vez em Paris, em 1922, e proibido de circular nos Estados Unidos e na Grã Bretanha até aos anos 30 (a primeira edição americana sai em 1934, a primeira na Inglaterra em 1936). Pessoa, no entanto, possuía um exemplar da edição de 1932 publicada em Hamburgo, com a chancela de The Odyssey Press – decerto um dos pouquíssimos volumes vendidos em Portugal. Não se afigura que tenha gostado particularmente do livro e é possível que não o tenha lido até ao fim, pois o seu exemplar está pouco manuseado. Numa folha solta integrada no seu espólio, escreveu o seguinte comentário: «A arte de James Joyce, como a de Mallarmé, é a arte fixada no processo de fabrico, no caminho. A mesma sensualidade de Ulysses é um sintoma de intermédio. É o delírio onírico, dos psiquiatras, exposto como fim.» E, na mesma folha, depois de um traço horizontal: «Uma literatura de antemanhã». Não é impossível que a última frase da crítica lacónica deixada por Pessoa queira reconhecer, em Joyce como em Mallarmé, uma promessa e um sinal de um novo tipo de literatura, mas parece insinuar, em qualquer caso, que Ulysses ainda não conseguira ser uma obra de arte acabada segundo os critérios do crítico, para quem ela representava o laboratório mental e imaginativo da escrita, apresentado como o próprio produto artístico final.

 

 

Richard Zenith