(1884 – 1960)

Jaime Zuzarte Cortesão é figura central do grupo que promoveu no início do século XX na cidade do Porto um conjunto de destacadas iniciativas culturais, e antecipou em 1911 a ideia de fundar a Renascença Portuguesa. Estudante da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, participou activamente na crise académica de 1907, aderindo dois anos depois ao Partido Republicano Português. Exercendo a delicada missão de servir de ligação entre as organizações republicanas do norte e as do sul, que conhecia bem, foi preso no dia 4 de Outubro de 1910 vindo a ser libertado pela revolução. Nas eleições de 1911 concorreu a deputado pelo círculo de Coimbra, mas, devido ao lastro libertário e antipositivista do seu pensamento, não teve apoio partidário, perdendo a eleição por poucos votos. Iniciado em Abril de 1911 na Maçonaria, tomou o nome de Guyau, prestando assim homenagem a figura que lhe era querida, Jean-Marie Guyau. Nesse mesmo mês publica na revista A Águia um texto dedicado a Teixeira de Pascoaes, alinhando entusiasticamente com o nascente saudosismo filosófico, que foi a fronteira que depois dividiu o escol que se agrupou na Renascença Portuguesa.

A obra que publicou em livro por essa época é da maior importância, revelando um vigoroso escritor de ideias e um notável efabulador com uma efectiva capacidade de realização artística. Estreou-se em 1910 com dois livros: A Morte da Águia, que tem como subtítulo “poema heróico”, e A Medicina e a Arte, que foi a sua tese de licenciatura e onde contesta o positivismo lombrosiano de Sousa Martins. O seu poema mostra-se o desenvolvimento afirmativo daquela poderosa metafísica que a poesia de Antero e de Junqueiro haviam posto em movimento e que o saudosismo de Pascoaes escoimara de qualquer supérfluo. Foi esse poema que baptizou a revista que depois se tornou o órgão da Renascença Portuguesa e foi ele que gerou, num crítico como Leonardo Coimbra, uma nova terminologia filosófica para a poesia portuguesa, que depois Fernando Pessoa apurou numa nova espiral de ideias nos artigos de 1912, ano em que Cortesão publicou dois opúsculos poéticos, Esta História é para os Anjos e Sinfonia da Tarde, depois recolhidos no livro Glória Humilde (1914). A propósito deles, escreveu Pessoa uma longa carta ao autor (22 de Janeiro de 1913), em que, retomando o esforço compreensivo dos artigos de A Águia, adianta novos e pertinentes elementos de leitura, quer da poesia de Cortesão, quer da poesia saudosista em geral. Essa carta-documento, onde se encontra uma lúcida periodização da poesia portuguesa do século XX que não vemos razão para abandonar, mostra-se capital para conhecermos o alto apreço que Pessoa tem pelo Cortesão poeta, de resto um dos mais bem tratados nos artigos de 1912: A meu ver é o meu querido amigo (permita-me que assim o trate) o primeiro dos poetas da novíssima geração. Eu chamo, é claro, novíssima geração àquela que apareceu posteriormente à de Pascoaes, Correia de Oliveira e Lopes Vieira, à que é propriamente já e apenas do século vinte. Entre os poetas dessa geração creio que o meu amigo é princeps.

Com o rebentar da grande guerra de 1914-18, Jaime Cortesão toma de imediato posição no boletim da Renascença Portuguesa, A Vida Portuguesa, contra o militarismo alemão. A intervenção de Portugal na guerra ao lado da França e da Inglaterra, levou Cortesão a alistar-se como voluntário no exército português, exigindo a sua partida para a frente de batalha. Resultou desta experiência, em que viveu durante meses debaixo de fogo num improvisado posto de socorros, a Cruz de Guerra e um impressionante livro de memórias em que relata a frio toda a crueza dramática da fábrica negra de morte que é a guerra. No regresso, em Abril de 1919, é nomeado  director da Biblioteca Nacional, dando origem ao chamado “Grupo da Biblioteca”, onde convivem personalidades tão díspares como o erudito David Lopes ou o tipógrafo anarco-sindicalista Alexandre Vieira, a partir do qual se organizaram algumas das mais importantes actividades culturais dos últimos anos da República, entre elas, a publicação da revista Lusitânia, a edição dos Anais das Bibliotecas e Arquivos, a concepção do Guia de Portugal, a organização da Seara Nova, a formação do grupo dos Homens Livres, onde episodicamente colaboraram seareiros e integralistas. É nesse período, mercê de privilegiadas condições de trabalho, que Jaime Cortesão inicia o seu trabalho de proficiente historiador, abandonando quase de todo a obra de dramaturgo, de contista, de memorialista e até de poeta (depois de 1914, publicou apenas dois livros de versos, Divina Voluptuosidade, 1923, e Missa da Meia-Noite e outros Poemas, 1940).

Opôs-se com invulgar determinação à ditadura militar saída do golpe de 1926 e partiu dele a iniciativa de um movimento conspirativo apartidário contra a nova situação política, de que resultou a revolução de 3 de Fevereiro de 1927, que o levou depois da rendição de 7 de Fevereiro ao exílio, primeiro em Paris e depois em Espanha. Data desse período o texto “Os Factores Democráticos na Formação de Portugal” (1930). Em 1940, no quadro da derrota republicana em Espanha e da ocupação da França pelos exércitos nazis, Cortesão com treze anos de exílio regressa a Portugal, que muito amava e tão penoso lhe fora abandonar, sendo de imediato preso e escandalosamente banido do país. Ruma ao Brasil, onde ficou até 1957, desempenhando cargos de grande significado cultural e político, como a preparação de quadros diplomáticos no Itamaraty e a organização da Exposição Histórica do Brasil no quadro das Comemorações do Quarto Centenário da Cidade de São Paulo. Autorizado a regressar a Portugal em 1957, voltou a tomar lugar activo na vida cívica do país com a participação na campanha presidencial de Humberto Delgado, morrendo pouco depois, mas não sem antes concluir a cúpula da sua investigação histórica, Os Descobrimentos Portugueses, onde desenvolve o culto paraclético como impulso subterrâneo dos descobrimentos portugueses.

 

Bib: ÁGUAS, Neves, Blibliografia de Jaime Cortesão, Lisboa, 1963; Mourão-Ferreira David, “Sobre a Trajectória Poética de Jaime Cortesão”, in Poesia [tem posfácio de A. Cândido Franco, “A Metáfora Saudosista em Jaime Cortesão”, pp. 339-343], Obras Completas, Jaime Cortesão, Lisboa, IN-CM, 1998, pp. 11-20; SANTOS, Alfredo Ribeiro dos, Jaime Cortesão–Um dos Grandes de Portugal, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1994, pp. 288.

 

 

António Cândido Franco