Figura destacada da actividade social, política e cultural durante as seis primeiras décadas do século XX. O elevado número de cargos (Comissário do Governo junto do Teatro Nacional, Director e Professor da Secção Dramática do Conservatório Nacional, Inspector das Bibliotecas Eruditas e Arquivos) e funções políticas que desempenhou (Senador, Deputado em diferentes legislaturas, Ministro de várias pastas – Instrução Pública e Negócios Estrangeiros – em diversos Governos, Presidente do Partido Nacionalista, Membro da Comissão de Cooperação Intelectual da Sociedade das Nações) compete com o número de títulos que publicou em vários géneros literários: romance, conto, poesia, teatro, crónica, oratória, ensaio.
Os seus escritos revelam uma predilecção pelo século XVIII, tempo a que dedicou alguma veia ensaística em O Amor em Portugal no Século XVIII (1915) e onde se situa a acção de muitas das suas peças de teatro mais emblemáticas: A Severa, 1901; A Ceia dos Cardeais, 1902; Um Serão nas Laranjeiras, 1904; Sóror Mariana, 1915.
Em 1908, após concluir a licenciatura em Medicina, é admitido como sócio na Academia de Ciências de Lisboa, instituição que virá a presidir, a partir de 1922, durante décadas. Ao abandoná-la, invocou este exercício de cargos públicos cuja profusão acumulativa, aliada à sua ligação à Academia – que incorporava tudo o que «os novos» desprezavam – fizeram dele um alvo privilegiado dos ataques de renovadores e vanguardistas.
De facto, o seu academismo literário encontra-se bem patente na formalização dos seus escritos; a Ceia dos Cardeais (1902), por exemplo, um dos seus maiores sucessos nacionais e internacionais (conta com mais de 50 edições, e foi traduzida para mais de uma dezena de línguas), foi composta em alexandrinos emparelhados. A maioria do seu teatro revela alicerces românticos, sobretudo na temática de cariz histórico e da mitologia nacional, com a idealização da história pátria como pano de fundo de uma idealização do amor, de pendor saudosista, não deixando de imprimir um cunho fortemente anticlerical (Santa Inquisição, de 1910), vacilando entre o sentimentalismo romântico, o grotesco e a sátira. Não é avesso, porém, a experimentar correntes novas, como o realismo/naturalismo decadentista de Crucificados (1902), com aspirações a drama social, que pretende retratar uma actualidade degenerada, causa e vítima de promiscuidade e doença.
A curiosidade, no entanto, parece estar presente como guia de actuação artística. Muitos dos seus textos conheceram formatos artísticos diversos. Ele próprio adaptou o seu romance A Severa, de 1901, a peça de teatro, no mesmo ano. O êxito foi em crescendo. Em 1909 deu origem a uma opereta de André Brun, com música de Filipe Duarte, e a uma zarzuela com música de Rafael Millán. Finalmente, em 1931, foi argumento do primeiro filme sonoro português, realizado por Leitão de Barros, que se movia no círculo dos modernos; seria esse o filme escolhido para exibição na noite de abertura do V Congresso Internacional da Crítica, realizado nesse ano, com Pirandello na assistência, num programa que incluía o documentário mudo Douro, Fauna Fluvial, de Manoel de Oliveira.
O êxito do teatro de Júlio Dantas deu azo a uma quantidade de paráfrases em paródia, sobretudo, da Ceia dos Cardeais, desde O Jantar dos Serviçais. Bexigada em Verso de Celestino da Silva (Scipião), de 1902, à Sinfonia do Amor de Manuel de Matos, de 1942, representada no Club Estefânia. O teatro lírico buscou também assunto em peças suas: Hermínio do Nascimento escreveu a ópera Soror Mariana (1918) e Ruy Coelho a ópera Rosas de Todo o Ano.
Quando, em 1915, aparece o primeiro número da revista Orpheu, Júlio Dantas tem uma atitude sobranceira e quase paternalista, apelidando os autores de «pessoas sem juízo», ou «paranóicos», não encontrando, portanto, justificação para o sucesso da revista. Terá sido esta reacção depreciativa que levou, talvez, Almada Negreiros a publicar o Manifesto Anti-Dantas e Por Extenso, após a estreia de Soror Mariana a 21 de Outubro desse ano, se bem que se possa ver neste libelo a denúncia de toda uma sociedade tradicionalista e conservadora mais do que um ataque pessoal. E daí talvez não. A aceitar o pequeno anedotário recolhido por Luís de Oliveira Guimarães em Júlio Dantas. Uma Vida. Uma Obra. Uma Época (Lisboa, Romano Torres, 1963), as provocações eram frequentes e dirigidas pessoalmente a Júlio Dantas. Pela mesma fonte pode intuir-se que Dantas desvalorizava o confronto com Almada Negreiros, afirmando que ele próprio fizera o mesmo. Com efeito, a sua primeira peça de teatro, Auto da Rainha Cláudia (1897) era uma sátira dirigida ao crítico Fernandes Costa, amante da escritora Cláudia de Campos.
Num registo mais sério, a verdade é que, quando Salazar o nomeia Presidente da Comissão Executiva da Exposição do Mundo Português, em 1940, Almada Negreiros é por ele convidado a realizar os cartazes «Duplo Centenário» e «Festas do Duplo Centenário» alusivos ao acontecimento (Fundação da Nacionalidade e Restauração da Independência) e a fazer os vitrais do Pavilhão da Colonização. Reconheça-se-lhe a ilustração. É bem possível que tenha sido ele o primeiro português a apreciar Brecht.
José Camões