Os catorze epigramas de Fernando Pessoa publicados com o título Inscriptions foram escritos em 1920 e editados, pelo próprio poeta, em 1921, em conjunto com a segunda versão de Antinous sob a designação de English Poems I-II.

Trata-se de uma série de epigramas que, pelo motivo e pelo tom grave são  considerados  epitáfios ou inscrições tumulares, escritos à semelhança da Antologia Grega, que o poeta bem conhecia.

Com a publicação em simultâneo de Antinous, um longo poema erótico e homossexual, e das Inscriptions, um conjunto sóbrio e contido, tendo em comum o tema da morte, Pessoa conseguiu um equilíbrio e uma unidade de base helénica, tentando desfazer com o segundo o possível escândalo provocado pelo primeiro.

O género epitáfio, proveniente da antiguidade clássica, foi retomada em Portugal por alguns clássicos renascentistas e o seu uso prolongou-se até ao século XX – António Ferreira, Andrade Caminha, Bocage, Gomes Leal – encontrando em Fernando Pessoa o poeta que, por formação e por temperamento, se tornou o seu expoente máximo, actualizando-o primeiro em inglês e depois em português.

Na verdade podemos dizer que Pessoa nasceu para a escrita já a escrever epitáfios, pois desde 1904 (aos 16 anos) e então em inglês, que o tema da morte é um tema recorrente, mesmo permanente na sua obra, atravessando com maior ou menor incidência todas as sua criações heteronímicas e culminando nos exemplares poemas de Mensagem.

 Já C. R. Anon escrevera dois epitáfios, datados de 1906, mas é pela pena do pré-heterónimo Alexander Search que Pessoa fixa o tema da morte, como essencial e obsessivo em toda a sua produção poética e inicia uma série de epitáfios mais ou menos declarados em várias formas, criando poemas com diferentes sujeitos e diferentes situações – auto-epitáfios, poemas à sua morte futura, à sua morte ficcionada e à presente “morte em vida”.

Antes de nos determos na análise e na estrutura das Inscriptios, uma referência à Antologia Grega, acima referida, que serviu a F. Pessoa de base de informação e conhecimento formal, vocabular e tonal para a realização da sua poesia de teor mais clássico e epigramático, desde as inscrições em questão até ao próprio Ricardo Reis.

Entre 1918-20 Pessoa terá adquirido os cinco volumes da Greek Anthology em versão inglesa de W. R. Paton, publicada em Londres nos anos 1916-1918. Esta obra, que constava da biblioteca de Pessoa, continha no tomo II diversas notas pela sua mão, talvez para possíveis traduções. Na realidade, em 1922 o poeta traduziu oito epigramas a partir desta antologia, que editou em 1924 no nº 2 da revista Athena. Mas o seu conhecimento dos clássicos e em particular da Antologia Grega, datava possivelmente do tempo em que, na África do Sul, frequentara a Durban High School, uma vez que uma sólida formação clássica fazia parte dos programas escolares desse tempo na Grã-Bretanha e, consequentemente, nas suas colónias.

Nos epitáfios da Antiguidade Clássica, a maioria verdadeiras inscrições tumulares extraídas de lápides, podem ler-se dados concretos e referências pessoais, capazes de identificar o morto e perpetuar a sua memória. Estas características mantiveram-se, de certo modo, nos epitáfios literários a par de outro tipo de epigramas, gnómicos e exortativos, onde, a partir da brevidade da vida e da fugacidade do tempo se retiravam lições e se davam conselhos.

Foi este pendor reflexivo e filosófico que Pessoa retomou nas Inscriptions, conferindo a estes epigramas um carácter meditativo e solene.

Na galeria das Inscriptions temos retratos de várias pessoas de diferentes idades, diferentes sexos, diferentes estratos sociais e profissões tendo a ligá-los, para além do óbvio estado de morto, o anonimato. Só a jovem Cloé é identificada pelo nome; os restantes apresentam-se, pela sua boca, em rápidas referências às suas vidas passadas sem nome, local ou país, o que os distanciam do autêntico epitáfio e lhes dá um carácter universal, como personagens-tipo. Todos estes mortos são gente comum e anónima, que se exprime na primeira pessoa, na sua voz singular ou na voz plural de um par ou de um grupo, como é o caso dos amantes ou dos artesãos. Apenas no primeiro epitáfio, de introdução ao conjunto, e no décimo terceiro se omite um sujeito explícito para manter o seu carácter geral e indeterminado. Temos, portanto, no primeiro considerações sobre a morte em geral; no décimo terceiro, sobre a morte das obras; no décimo quarto e último, sobre a morte do autor. Entre estes estão a donzela, o cidadão romano, o agricultor, o guerreiro, a esposa obediente, o filósofo, a criança, o conviva da festa, os amantes, os soldados, os construtores da cidade.

No seu aparente monólogo de mortos há um diálogo com a vida que deixaram e recordam, convertido em dois tempos opostos: o antes e o agora, o que foram e no que se tornaram. Também o espaço nos remete para um ambiente clássico e campesino – prados, olivais, abelhas, rebanhos, estalagem, viandante – descrito numa linguagem depurada, com vocábulos escolhidos de tonalidade arcaica a sublinhar a atmosfera.

Em relação à temática do conjunto temos, como seria de esperar tratando-se de epitáfios e de Pessoa, referências à fragilidade do ser, à condição inelutável do homem, à resignação perante o irremediável, à impotência frente ao destino e aos deuses, tudo isto expresso em fórmulas concisas e universais, num tom grave e conceituoso a conferir ao conjunto a coerência e a sobriedade que ao assunto convém.

 

 

 

Óscar Lopes, “O Epitáfio em Fernando Pessoa”, Os Sinais e os Sentidos, Lisboa, Editorial Caminho, 1986.

Ana Paula Quintela Sottomayor, “Ecos da Poesia Grega nos Epitáfios de Fernando Pessoa” in Actas do I Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, Porto, Brasília Editora, 1978.

 

 

 

Luísa Freire