Homero, “o que foi como um deus entre os que cantam” (R.Reis, “De novo traz as aparentes novas”) foi certamente uma das figuras tutelares do panteão pessoano. Muito embora as referências directas que Pessoa faz à sua obra não sejam muito abundantes (cerca de 25, na obra que já conhecemos), todas, sem excepção, apontam para o lugar cimeiro que Pessoa atribui a Homero, não só, de forma genérica, na formação da cultura ocidental, mas também, de forma mais particular, na definição da sua estética pessoal, com particular relevo na dos heterónimos Ricardo Reis e Alberto Caeiro. O projecto de traduzir a Ilíada e a Odisseia consta, aliás, dos seus papéis (Páginas Intimas, Ática, 88). Citado muitas vezes em conjunto com alguns outros “heróis” pessoanos (“Homero e Shakespeare, as duas culminâncias…” (Crítica, 53), “Milton e Homero são…”(Páginas de Estética, 364), mesmo Walt Whitman, esse “Homero do insaisissable, do flutuante carnal”(Campos, “Saudação a Walt Whitman), Homero é, para Pessoa, a “inspiração matutina” onde vai beber o ideal helénico da Arte (Páginas Intimas, 322). A simplicidade, a calma, a sabedoria do início, que, para Pessoa, caracterizam Homero, definem também, assim, uma ideia do Paganismo cuja reconstrução faz parte integrante do gesto pessoano de Ricardo Reis e de Alberto Caeiro. A questão do Épico não aparece, de forma explícita, nestas referências pessoanas, excepto, talvez, na comparação depreciativa que faz entre a epopeia grega e a romana (a Ilíada e a Eneida, nos “Apontamentos para uma estética não-aristotélica”, Crítica, 236). Mas, implicitamente, o canto seminal de Homero é, sem dúvida, um dos modelos maiores de Pessoa, ortónimo e heterónimos confundidos. Até porque, como diz talvez Ricardo Reis, numa nota não datada nem assinada (Páginas Intimas, Ática, 390), se “a novidade, em si mesma, nada significa se não houver nela uma relação com o que a precedeu (…) deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero”.
Graça Videira Lopes