Dramaturgo norueguês, impulsionador de uma ideia de novo teatro que ia emergindo por toda a Europa, a par da escrita de Anton Tchekov e de August Strindberg, e da teoria e espectáculos de André Antoine, Gordon Craig ou Stanislavski. A sua proposta dramatúrgica envereda por dois sentidos, aparentemente antagónicos, o naturalismo e os apontamentos simbolistas, constituindo-se paradigma do teatro de ideias e do drama moderno. Se começou por revelar um pendor romântico e nacionalista (Peer Gynt, 1867), a suas obras emblemáticas (Um inimigo público, 1882, Casa de Bonecas, 1882, Os espectros, 1887, Hedda Gabler, 1890, O pato selvagem, 1891) manifestam uma profunda crítica social ideologicamente anti-burguesa, e o dualismo entre pessimismo e idealismo, que o caracterizam.
Aos palcos portugueses Ibsen chega através das tournées de algumas das grandes figuras do teatro europeu; a do actor italiano Ermete Novelli, que em Setembro de 1895, no Teatro do Príncipe Real (Porto) e no Teatro D. Amélia (Lisboa), apresenta Os espectros; e a de Eleanora Duse, que em 1898, também no Teatro D. Amélia, se estreia mundialmente como protagonista de Hedda Gabler.
A produção nacional inicia-se com Lucinda Simões, em 1899, estreando em Coimbra, cidade universitária propícia à recepção de um teatro de estranhamente novo, A casa da boneca, com tradução de Cristiano de Sousa, protagonizado pela sua filha Lucília Simões antes de apresentar o espectáculo em Lisboa. No ano seguinte, em 1900, a Sociedade Artística do Teatro Nacional D. Maria II apresenta O pato bravo numa versão de Sousa Monteiro, em encenação e interpretação de Ferreira da Silva. No mesmo ano, Luciano de Castro protagoniza O inimigo do povo, numa tradução de Luís Galhardo.
A visita a Portugal de Ermete Zacconi, em 1901, com Os espectros, suscitou uma acesa polémica em que intervieram escritores, críticos e médicos psiquiatras, incluindo Miguel Bombarda e Júlio de Matos.
O ibsenismo faz-se sentir não através da representação do seu teatro (entre 1900 e 1947 nenhuma companhia portuguesa o encena, continuando raro nas 5 décadas subsequentes) mas no seguimento da sua linguagem teatral, na construção de um teatro de ideias, como se infere da conferência Teatro Livre & Arte Social, proferida por Ernesto da Silva, em 1902: «O teatro ibseniano, grandemente filosófico e esmerilhador da alma humana, reclama para seu entendimento alta contenção de espírito, entrechoque de ideias que têm de depurar-se por si mesmas na consciência individual e, importando por isso um singular esforço de cerebração, de prever é que não encontre fácil albergue na razão e na emotividade de uma raça essencialmente amante da linha e da cor e absolutamente despida – em sua expressão colectiva – do utilíssimo desejo de penetração à essência das cousas e dos factos».
No tempo do modernismo, a sua presença tutelar manifesta-se sobre a intelligenza que o lê, desde a admiração de Júlio Dantas que, nas «ibsenianas» do seu livro Mulheres (1916), reconhece no ibsenismo a subtileza superior do feminino, até à admoestação de Fernando Pessoa (1916?): «a obra artística deriva de origens mais subtis que a compreensão e o raciocínio; tanto que Ibsen, que quis fazer drama psiquiátrico, não conseguiu, nem sequer de longe, criar personagens tão inteiramente verdadeiras, perante a própria psiquiatria, como Shakespeare, cuja época não tinha a ciência, mas cujo espírito tinha a intuição» (Páginas de Estética, pp. 94-95).
No ano do centenário do seu nascimento, a revista presença dedica o número 11, de 31 de Março de 1928, à figura do dramaturgo norueguês, com artigos de Gaspar Simões («Ideias sobre Ibsen», Jorge de Faria («A primeira intérprete latina de Nora»), Afonso Duarte («A lição de Ibsen»), e José Régio («Através de uma peça de Ibsen: O Pato Bravo»).
José Camões
Rui Pina Coelho