Helena Petrovna von Hahn nasceu no sul da Rússia em 12-8-1831, filha de um coronel e de uma escritora nobre. Casou-se muito nova com Nikifor Blavatsky, governador da Província de Yerivan, bastante mais velho, mas por pouco tempo e começou a viajar, estando na Itália em 1866 ao lado do mestre maçónico Garibaldi e, de 1870 a 1872, com espíritas no Cairo. Desde 1873, nos Estados Unidos, com Olcott, William Q. Judge e Sotheran funda em Setembro de 1875 a Sociedade Teosófica, para se dedicarem «ao estudo da ciência oculta e esotérica, teoria e prática, e à popularização dos factos no mundo».
Em 1877, publica, com grande sucesso, em Nova Iorque, em colaboração com Olcott e outros, a erudita Ísis Sem Véu, com centenas de controversas interpretações e citações dos mais diversos autores, iniciando um ataque forte à ortodoxia dogmática católica e à ciência materialista e positivista. Pouco depois, parte para a Índia com Olcott e, em Fevereiro de 1879, iniciam uma dinâmica divulgação da Sociedade Teosófica que os leva, em 1880, ao Ceilão, onde assumem os cinco votos budistas. Olcott virá a escrever o Catecismo Budista em 1881 (obra que estava na biblioteca de Antero de Quental). No Outono desse ano, encontram-se com A. Sinnet, um entusiasta teósofo que, graças a Blavastky, passaria a receber cartas dos Mestres ou Mahatmas (em sãoscrito), que estariam por detrás da Sociedade, e a partir das quais redigiu os livros O Mundo Oculto, 1881, e Budismo Esotérico, 1883, ambos publicados em Portugal na “Colecção Teosófica e Esotérica” em que Pessoa colaborou e que certamente conheceu, pois por mais de uma vez cita o budismo esotérico, seja a propósito da divisão quíntupla dos corpos subtis, seja (53 B-61) por tal querer destruir a cultura grega, a ordem romana, a moral cristã e a igreja católica. No fim desse ano, instalam-se na frondosa zona de Adhyar, na nova sede da Sociedade Teosófica, onde recebem cartas e sinais dos Mestres, e começam a ter uma expansão mundial. O ramo da Sociedade em Inglaterra, em 1883, é abalado pelo escândalo de uma das cartas atribuídas por Sinnet aos Mestres se ter provado provir em grande parte de um jornal espírita, o que origina a saída de conhecidos elementos, como Mabel Collins, cuja obra Luz no Caminho foi traduzida por F. Pessoa. Em 1884, vêm uns meses a Paris e Londres, regressando no fim de Dezembro a Adhyar, onde rebentara um escândalo de alegações de fraude nas precipitações das cartas dos Mestres e nas materializações de objectos, e onde chegara para redigir um relatório o Dr. Richard Hodgson, da Sociedade de Investigações Psíquicas londrina. As proporções foram tais que foi obrigada a demitir-se e a regressar à Europa, em Abril de 1885, com o médico ocultista Franz Hartmann, autor de Magia Negra e Magia Branca, que Fernando Pessoa leu, anotou e comentou. Em Outubro de 1888, funda a secção esotérica ou interna da Sociedade, em Londres, e até Dezembro publica os dois grandes volumes da Doutrina Secreta, inegavelmente a opus magna teosófica, já com dados da sabedoria oriental, publicando ainda em 1889 a Chave da Teosofia e a inspiradora Voz do Silêncio, obras que Fernando Pessoa conheceu, a segunda traduzindo-a mesmo. Morre em Londres, a 8 de Maio de 1891.
- Pessoa, ao contactar a Teosofia em 1915, escrevera a Mário de Sá Carneiro, dizendo-lhe: «O carácter extraordinariamente vasto desta religião filosofia; a noção de força, de domínio, de conhecimento superior extra-humano que ressumam as obras teosóficas, perturbaram-me muito» mas, depois, conhecendo melhor a obra de Blavatsky e a evolução da Sociedade Teosófica, por onde entraram e saíram na época tantos escritores e ocultistas como Papus, Yeats, G. Mead, Waite, escreverá: «Recentemente tem tomado um grande relevo pelo mundo a propaganda da religião chamada Teosofia. Essa religião pretende ser a da Verdade; se não tivesse essa pretensão não seria uma religião. Pretende estar por detrás de todas as religiões. Pretende ser a depositária das antigas doutrinas ocultas; pretende representar uma comunicação para o exterior feita pelos chamados “Mestres”. Urge expor do modo mais claro e preciso qual é, segundo a ciência esotérica verdadeira, a constituição real do Universo…». (54 A-85). Assim, F. Pessoa, através do heterónimo Raphael Baldaya, começava uma obra intitulada Princípios de Metafísica Esotérica, de que nos ficaram apenas fragmentos, de reacção forte tanto a afirmações e ensinamentos de Blavatsky, tal a de que «a Teosofia era a matemática pura da religião», como à vulgarização e democratização do ocultismo que a Soc. Teosófica realizava, dirigida então por A. Besant, secundada por Leadbeater.
Como diz noutro texto (54-1): «Cometeram o crime de revelar as doutrinas do ocultismo, fazendo o oculto visível, o que a própria palavra proíbe que se faça. E isto com uma indizível mistura de charlatanismo e de mera drogaria social como no caso de vários teosofistas conhecidos e, notavelmente, da notória Mme Blavatsky, iniciada talvez na ciência dos invisíveis tibetanos, mas com certeza na de qualquer Mackelgue ou Crookes mais da nossa civilização. A investigação do Dr. Hodgson fez explodir essa charlatanice da russa. A confusão mental, a indisciplina característica dos teosofistas atraiu apenas os congéneres incompletos de espírito. Que lhes façam muito bom proveito! Que diferença, mesmo de mero tom, entre a pobreza de espírito dos teosofistas e a magnífica misteriosidade dos escritos dos Rosa C! Nestes, mesmo quando nada compreendemos, sentimos a força, a ciência dos Mestres da Sabedoria».
- Pessoa, crítico da Sociedade Teosófica, interrogou-se sobre o valor de Blavatsky, reconhecendo que, mesmo sendo um espírito confuso, era também fora de dúvida que recebera uma mensagem e uma missão (cf. Rosea Cruz, 1989).
Biblio: Blavatsky, H. P. Isis sin Velo. Clave de los Misterios de la Ciencia y Teologia antiguas y modernas. IV tomos. Barcelona, Biblioteca Orientalista, R. Maynadé, 1912.
Guénon, René. Le Theosophisme. Histoire d’une pseudo-religion. Paris, Nouvelle Librairie nationale, 1921.
Price, Leslie. Madame Blavatsky Unveiled? London, Theosophical History Centre, 1986.
Citações de Fernando Pessoa: Espólio da Biblioteca Nacional.
Pedro Teixeira da Mota