(1898 – 1977)
Gil Vaz, pseudónimo de Manuel Mendes Pinheiro, é sobretudo lembrado pelo magnífico poema de homenagem a Fernando Pessoa vindo a público no número que a presença dedicou ao autor de Mensagem em Julho de 1936 ( nº 48 ), e em que dialoga especialmente com dois textos do homenageado, bem presentes na memória dos leitores mais atentos da época, a tradução que Pessoa fez de “The Raven” de Poe e um dos seus mais emblemáticos poemas, “O Menino de Sua Mãe”: « Sobre Athena imortal o Corvo impera/ Fitando negro a dor que se traduz./ Hoje Eleanora virtual conduz/ As cinzas do que ardeu à sua espera.// Irmão do génio americano ele era,/ Na Lusitânia teve a sua cruz./ E sob o frio da satúrnia luz/ Lhe foi perdida a própria primavera.// Triste poeta do que não existe/ Senão em amargura sublimada,/ Dormes qual o menino que sentiste.// Dos laranjais a brisa perfumada/ Vai modulando num afago triste/ A tristeza que foi abandonada». Não era essa, no entanto, a sua primeira colaboração na revista de Coimbra, onde desde 1927 podíamos encontrar poemas seus, quer dentro do esteticismo pós-simbolista comum a vários autores do período quer aflorando ousadias próximas da celebração futurista do mundo moderno ( cf. “Marcha Triunfal”: «Surge a locomotiva/ longa, omnipotente./ Quantas rodas em rodopio!/ Hálito quente e frio,/ Metais em carne viva...// Depressa/ Começa/ A fugir, fustigante, felina./ Duas nódoas de fogo à frente,/ Tudo em jogo:/ Ferro, aço, carvão, destroços e resina.// Mas, enquanto isto digo,/ Não consigo/ Traduzir o relâmpago, a vertigem/ De tal velocidade!/ Mas tal e qual suponho,/ Um instante de sonho/ Fugitivo...// Forte, febril, fervente, este phallus de ferro fura o espaço.», nºs 14 e 15, 23 de Julho de 1928 ). Do reconhecimento que teve a sua poesia no período de balanço que efectuam as hostes modernistas por ocasião do I Salão dos Independentes, em Lisboa, em 1930, diz bem a sua presença no volume antológico que então se organizou, Cancioneiro. Antes da colaboração dada à presença, publicara Gil Vaz uma recolha poética em 1923, Altar, a propósito da qual Óscar Lopes fala de um esteticismo com ressaibos folclorizantes ( cf. Entre Fialho e Nemésio II, 1987, p. 613 ), muito ao gosto desses anos, e dera à estampa um conjunto de quatro sonetos no nº 2 da Athena, de Novembro de 1924, de que poderia citar-se “Ophélia” ( «Devagar, devagar, nem um gemido.../ Nos olhos brandos lágrimas nem uma.../ É virtude morrer e ter vivido/ Como à tona das águas leve a espuma.// Tudo, afinal, é sonho desmedido,/ Nuvem franzina e frágil que se esfuma./ Roça um rumor de preces neu ouvido,/ Asa que em longos voos se despluma.// Sobre o rio da Morte adormecida,/ Prendem-se os teus cabelos nos arbustos./ Talvez por menos ande eu preso à vida...// Chego à janela, afasto-lhe a cortina,/ E a tua sombra passa entre os meus sustos/ E o fumo que em requebros se arlequina.) , ilustrativo daquelas tendências do modernismo lírico que mantêm um nítido compromisso com a tradição, a que se refere João Gaspar Simões na sua Perspectiva Histórica da Poesia Portuguesa ( 1977, p. 343 ).
George Monteiro, "Gil Vaz, Fernando Pessoa, e os Presencistas", Santa Barbara Portuguese Studies, Vol. III, 1996, pp. 207-235.
Fernando J.B. Martinho