(1863 –1938)

Poeta, dramaturgo e autor de romances, desenvolveu paralelamente à carreira literária uma excêntrica carreira política. Protagonista de uma vida de excessos, d’Annunzio fez do estetismo o seu próprio estilo de vida (o seu lema de vida), procurando sempre novas sensações. Com a declarada intenção de constituir em Itália a prosa narrativa moderna, assimilou as características principais do decadentismo europeu e da poesia crepuscular, como o gosto pelo tecnicismo formal e o primor de estilo. Na primeira década do século XX d’Annunzio era provavelmente o poeta italiano mais famoso na Europa. Em Portugal, naqueles anos, foram publicados vários poemas em revistas literárias, as traduções de quatro dos seus romances - O Prazer, O Inocente, O Triumpho da Morte e As Virgens - e representadas algumas das tragédias nos teatros da capital.

Com a difusão dos ideais modernistas na Europa, d’Annunzio transforma-se no escopo dos futuristas. Marinetti dedica-lhe um livro em francês (Les Dieux s'en vont, D'Annunzio reste publicado em várias revistas entre 1903 e 1907), onde satiriza a imagem de dandy de d’Annunzio. Também no Ultimatum Futurista de Álvaro de Campos, na lista dos poetas e escritores Despejados, encontramos o autor do Prazer. O heterónimo Pessoano trata-o depreciativamente por Rapagnetta-Annunzio, utilizando simultaneamente o apelido do pai adoptivo de Gabriele, com o qual o poeta se tornou famoso – d’Annunzio - e o apelido do seu pai natural – Rapagenetta. Álvaro de Campos acusa-o de banalidade em carácter gregos, pelo gosto classicista que envolve a maior parte da sua obra, e refere-se a ele como D. Juan em Pathmos, brincando com a atitude grega e de sedutor que o poeta italiano transmitia, parafrasendo o título do quadro de Velázquez, San Juan en Patmos.

Aproximadamente na mesma altura, Pessoa menciona, num texto sobre os fundamentos do sensacionismo, d’Annunzio, juntamente com Wilde, como sendo um poeta forçadamente irritante e imoral para agradar a plateia (Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, org. de Jacinto do Prado Coelho e Georg Rufolf Lind, Ática, Lisboa 1966, p. 161). À distância de vários anos, D’Annunzio aparece outra vez numa carta de 1931 a João Gaspar Simões, continuando a ser uma referência de insolência e mau gosto, desta vez juntamente com Show (Fernando Pessoa, Correspondência 1923-1935, org. de Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, p.260).

A doutrina política de d’Annunzio era filha das teorias do super-homem de Nietzsche que, no contexto histórico italiano, se traduz na exaltação da figura do Duce e do mito imperial de Roma. O empenho político dele concretizou em acções demonstrativas, associando ao seu nome à imagem de poeta combatente. Em 1919 organizou e realizou a acção mais clamorosa: a conquista militar da cidade de Fiume, cidade que não tinha sido atribuída a Itália depois da primeira guerra mundial. O poeta António Ferro, director de Orpheu, entusiasmado com esta empresa do poeta italiano, foi a Itália para entrevistá-lo e publica a sua entrevista no jornal O século e num livro: Gabriele d’Annunzio e eu.

D’Annunzio sintetizou o seu sentimento nacionalista na frase que tomou como seu lema, a incitação que Pompeu fez aos seus marinheiros e que se tornou também num dos motes de Mussolini: Navigare necesse, vivere non est necesse. Esta frase, que D’Annunzio põe nos primeiros versos de Laudi del cielo, del maré, della terra degli eroi, é utilizada por Pessoa em vários textos (Bernando Soares, Livro do Desassossego, org. de Richard Zenith, Assírio & Alvim, p.145 e p. 289). É interessante ver como este mote perde o seu sentido épico original, tomando nos dois poetas um sentido mais individual, de exaltação do heroísmo e do ulissismo poético.

D’Annunzio e Pessoa queriam, através da exaltação mítica do passado nacional e dum olhar atento às novidades literárias, europeizar a própria cultura nacional, considerada pelos dois, provincial nos seus respectivos países.

 

 

Giuseppe Carlo Rossi, Gabriele d’Annunzio e il mondo di lingua portoghese, Centro di Vita Italiana 1963.

 

 

Paolo Russo