Nasceu em 15 de Junho, em Lisboa, e aí viveu sempre e morreu, no dia 23 de Dezembro. A mãe, filha de um português e de uma brasileira, nasceu no Brasil mas veio nova para Portugal. O pai, lisboeta, morreu quando ele, o filho mais velho, tinha sete anos.

Algumas viagens pela Europa e breves estadias no Rio da Janeiro, onde por último passou três meses em 1944, deram-lhe a experiência cosmopolita que completou uma natural curiosidade e abertura cultural, facilitada tanto por circunstâncias familiares como de predisposição pessoal. Como muitos dos portugueses seus contemporâneos, leu sobretudo em francês (língua original e de tradução) e em português, mas a cultura literária italiana dos séculos XIX e XX desempenhou também um papel influente no seu desenvolvimento intelectual e na sua própria criação, e dessa língua publicou quatro traduções.

Na década de 20 concluiu o curso de Ciências Histórico-Geográficas e descobriu o ideal monárquico, a que se manteve fiel, e que o levou então a uma aproximação episódica do integralismo lusitano, mais tarde, nos anos da guerra, a posições de simpatia por figuras das direitas francesa e italiana, e ainda, vinte anos depois, à solidariedade com o movimento português dos Monárquicos Independentes. Mas nunca chegou a encontrar em pessoas  ou grupos verdadeira correspondência com o seu próprio pensamento político. Nesse período escreveu as suas primeiras peças de teatro, e deu início à sua internacionalmente aplicada Tabela racional de classificação das marcas atléticas, de que os Jogos Olímpicos de Paris de 1924 lhe tinham feito perceber a necessidade, e cuja última versão foi publicada em 1962. O atletismo e o teatro foram os seus interesses maiores, e embora a partir de certa altura o teatro o ocupasse quase exclusivamente, como encenador, autor e professor, nunca deixou de prosseguir o trabalho de revisão e actualização da Tabela.

Ainda antes dos vinte anos conheceu Almada Negreiros, com quem manteve toda a vida um fundo entendimento em coisas de arte e uma grande amizade, generosa de parte a parte e alimentada por uma convivência assídua. Data talvez do princípio desse conhecimento a escrita de uma peça, dita «futurista» numa notícia crítica, mas desaparecida e de que não ficou sinopse, chamada «O homem-metal». Uma carta de Almada escrita em Paris, em 1919 (publicada em parte há nove anos), mostra que nessa altura havia já intimidade entre os dois. A entrar na idade adulta, F. A. ocupa aí o lugar de uma espécie de iniciado a quem o amigo sete anos mais velho abre as portas do mundo e incita a descobri-lo com os olhos. Esse efeito da diferença de idades veio, naturalmente, a esbater-se. Num dos mais interessantes documentos da densidade do diálogo que mantiveram pela vida fora acerca da arte e da sua exigência, o «Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado» (decorrido em 1946 no Centro Nacional de Cultura, publicado em 1951), transparece um alto grau de consonância, que em nada prejudicam os sinais dos seus diferentes ritmos emotivos. Algo de semelhante  acontecia já num texto sobre «Os desenhos de Almada» escrito a propósito da exposição «30 anos de desenho», publicado na revista Variante em 1943, no qual se exprime dentro de uma linguagem em que ambos se encontram e ouvem, voltados que estão para o mesmo lado da vida. Têm em comum os dois princípios essenciais da liberdade da arte e da responsabilidade do artista. Além disso, F.A., de cujo vocabulário não fazia parte o termo modernista, não concebe para o artista de cada tempo uma arte que não seja «moderna».

Há no entanto um pendor didáctico, inexistente em Almada, que raramente deixa de revelar nos seus escritos teóricos e críticos, menos com o intuito de impor ideias do que com o de partilhar verdades que acredita serem importantes para todos, e que está na base da sua preferência pela comunicação oral, em conferências e palestras nunca passadas a escrito. Por isso são poucos os textos que escreveu desse tipo e em geral breves em extensão, com a excepção do período 1941-46, em que publicou dezenas de comentários políticos e de críticas de livros, exposições e espectáculos no jornal Aléo, que então dirigiu.

Iniciou a actividade de encenador no mesmo ano de 1946, no Teatro do Ginásio, com a sua peça «A Caixa de Pandora», espectáculo em que teve a colaboração de outro pintor, Antonio Dacosta. Três anos depois teve lugar, no Teatro do Salitre, a primeira realização de teatro de parceria com Almada, que fez os figurinos para outra peça sua, «Casamento das Musas», e de quem encenou em estreia absoluta a peça «Antes de começar», que teve figurinos de Sarah Afonso. Voltou a pô-la em cena várias vezes, duas das quais em 1956, quando dirigia o Teatro Universitário de Lisboa, com a futura pintora Lourdes de Castro numa inesquecível Boneca, uma variação sobre os mesmos figurinos da estreia e cenário do autor. Durante o final dos anos 40 e a década seguinte ambos se encontraram com frequência a participar em sessões de debate no Centro Nacional de Cultura. É de certa maneira um ponto culminante desse período em que um grupo relativamente constante de pessoas se dedicou a uma intensa reflexão sobre o presente e uma busca de projectos para o futuro, que surge em 1960, com o primeiro espectáculo de teatro do Centro. Fecho de uma «Semana dedicada a Fernando Pessoa» (aproveitando a efeméride dos 25 anos da morte do poeta), constou de uma nova reposição de «Antes de começar», três peças breves de futuristas italianos e «O marinheiro» de Pessoa. Almada colaborou com «apontamentos cenográficos e de indumentária» porque mais não cabia na única sala, polivalente. Mas a exiguidade do espaço não impediu que F.A., seu presidente ao tempo, continuasse a partir de entãoa utilizá-lo para realizar experiências de encenação de cenas ou excertos de peças.   

Como encenador, o seu período de mais contínuo e produtivo trabalho veio a decorrer entre 1963 e 1965, primeiros anos de existência do teatro da Casa da Comédia, que dirigiu com Osório de Castro. Ao contrário do que tinha sido seu hábito, em sete espectáculos, só um incluiu uma peça sua, «O Iconoclasta», juntamente, aliás, com mais uma versão cénica de «Antes de começar». Fez Pascoais, Gil Vicente, teatro barroco espanhol, Cocteau e Almada, mas não apenas o da peça já conhecida. O grande acontecimento desses dois anos é a realização no palco, noutra estreia absoluta, da outra importante peça de Almada, «Deseja-se Mulher». Embora o autor não tenha, desta vez, prestado uma colaboração concreta ao espectáculo, acompanhou quase todos os ensaios, e o seu entusiasmo perante o resultado final foi visível.

 

 

Teresa Amado