(1885-1972)
Foi um dos primeiros, principais e mais extremos defensores da utilização de personae, a expressão que escolheu para o seu conceito de máscaras poéticas. Para Pound, a persona literária é uma espécie de autor fictício, que não deve confundir-se com o poeta, com o qual apenas em parte se identifica.
Muitos poemas de Pound são altamente satíricos, até mesmo sarcásticos, sobre o seu autor, real ou fictício. Em Hugh Selwyn Mauberley (1920), dois alter-egos analisam os seus primeiro doze anos de carreira, referindo-se ironicamente a Pound como poeta falhado, na terceira pessoa. Na primeira parte, o poeta é ‘E.P.’, uma versão mais jovem de Pound; na segunda é Hugh Mauberley, com um estilo mais explicitamente distinto do de Pound.
Pound, caracteristicamente controverso, sempre afirmou que não era mais Mauberley do que Eliot era Prufrock; este conceito é aplicável à maioria dos ‘eus’ poéticos da época modernista, especialmente aos autores fictícios de Pessoa. Em consequência da sua teoria das personae, encarnada também nas máscaras de W. B. Yeats, nas vozes dramáticas de T. S. Eliot e James Joyce e, sobretudo, nos heterónimos de Pessoa, identificar o ‘eu’ poético com o autor histórico tornou-se, na crítica moderna, tão ilegítimo como questionar a sinceridade autoral, outra prática ultrapassada da crítica do século XIX. No entanto, apesar destes conceitos modernistas de despersonalização literária, muitos críticos consideraram irresistível a aproximação entre certas máscaras, personae ou heterónimos (Mauberley, Prufrock, Álvaro de Campos) e os seus respectivos autores (Yeats, Pound, Pessoa).
Embora não exista hoje qualquer obra de Pound na biblioteca que foi de Fernando Pessoa, este tinha algum conhecimento da obra do poeta americano. Sabemos que possuía um exemplar da revista vorticista Blast, de 1915, com alguns poemas de Pound. O nome de Pound aparece numa lista elaborada por Pessoa, numa sessão de escrita automática, de pessoas que gostaria de vir a conhecer (v. Pessoa: Escritos autobiográficos, automáticos e de reflexão pessoal, ed. Richard Zenith, Lisboa: Assírio e Alvim, 2003, p. 269). Pode ser que não se trate de influência directa, mas os heterónimos de Pessoa revelam fortes afinidades com as personae de Pound. É evidente que os heterónimos pessoanos são um produto das experiências modernistas em geral, sendo também devedores da despersonalização dramática de Eliot e das máscaras poéticas de Yeats (v. José Palla e Carmo, ‘Uma trindade: Ezra Pound, T. S. Eliot, Fernando Pessoa’). Mas, como afirma Adolfo Casais Monteiro, as personae de Pound estão ainda mais próximas dos heterónimos pessoanos neste sentido: o conceito de Pessoa é exactamente o mesmo, levado às últimas consequências (v. ‘Pessoa e Pound’).
Outro ponto de contacto entre os dois poetas é Robert Browning (1812-1889), que neles exerceu uma forte influência. Browning publicou em 1855 o seu Dramatis Personae, uma série de poemas escritos na perspectiva de diferentes personagens dramáticas. Pound apropriou-se e desenvolveu não só a técnica mas também o nome: o título escolhido para uma das suas primeiras colectâneas de poesia, publicada em 1909, foi precisamente Personae. João Almeida Flor sugere que, ao criar os heterónimos Pessoa transpõe para o plano psicológico psicológico aquilo que em Robert Browning foi sobretudo uma questão estética (v. ‘Um contexto inglês para Fernando Pessoa’, in Expresso, 12/6/1975). Mas Pound foi outro importante percursor neste sentido.
Bibliografia
Monteiro, Adolfo Casais. ‘Pessoa e Pound’, Estudos sobre a poesia de Fernando Pessoa, Rio de Janeiro: Agir, 1958
Carmo, José Palla e. ‘Uma trindade: Ezra Pound, T. S. Eliot, Fernando Pessoa’, Colóquio de letras, 95, 1987
Santos, Maria Irene Ramalho. Atlantic Poets: Fernando Pessoa’s Turn in Anglo-American Modernism, Hanover-Londres: University Press of New England, 2003
Mariana de Castro