(1869-1944)

Estudou na Universidade de Coimbra; depois de uma passagem pelo ensino secundário e pela carreira diplomática, foi a partir de 1914 lente da Faculdade de Letras de Coimbra. Contemporâneo em Coimbra de António Nobre e Camilo Pessanha (nascidos em 1867, como Raul Brandão), participou nas polémicas de teor poético de 1889, consubstanciadas nas revistas Bohemia Nova e Os Insubmissos, alfobres do que seria o Simbolismo português, muito bem informado por abundantes leituras dos poetas parnasianos e simbolistas franceses e belgas, que propunham e praticavam inovações técnicas e temáticas de relevo (com destaque para Baudelaire, esta tradição era já bem conhecida em Portugal, como atestam as obras de Cesário Verde e de Gomes Leal, entre outros). As primícias da obra de E.C. (cinco volumes, entre 1884 e 88), anteriores a estas transformações, mostram um poeta precoce mas ainda em aprendizagem; Novas Poesias, no prelo à data de edição dos Oaristos (1891), não foi já publicado, precisamente por o seu autor sacrificar exemplarmente esses poemas juvenis (vários dos quais dados à estampa em revistas) em nome da nova maneira dos versos. Eugénio de Castro virá a formular a poética simbolista em textos programáticos datados de 1890 e dos anos seguintes (os dois prefácios de Oaristos, o da 1ª edição, de 1890, e o da 2ª, de 1899; o prefácio de Horas, de 1891), desenvolvendo-a nos livros da década de 90. Da abundante obra de Castro, que publicou ao longo de toda a vida, são estes os volumes que mais importa considerar para uma relação com os poetas modernistas; os livros editados no século XX seguem outras vias, abandonando o experimentalismo de raiz europeia que tantos ecos conheceria nos de Orpheu. Nos textos programáticos, E. C. defende, contra o “andamento de procissão [d’]o comboio misto” que conduz os “Poetas portugueses da actualidade”, o “vertiginoso correr do expresso da ORIGINALIDADE” (prefácio 1890), concretizado em várias questões. Uma delas será a “liberdade do Ritmo”, mormente o do alexandrino “de cesura deslocada e alguns outros sem cesura”, de acordo com Viellé-Griffin e Jean Moréas, articulando os acentos rítmicos com  o tema da composição – o que já vinha sendo praticado e acesamente discutido pelos participantes nas revistas coimbrãs dos anos anteriores. Outra novidade será a defesa dos “raros vocábulos”, preferindo o termo “preciso” à perífrase, e conjugando “ideia” e “beleza”, de acordo com a teoria das “correspondances” de Baudelaire, a que se acrescenta o “estilo decadente”, caucionado por longa citação do prefácio de Théophile Gautier às Fleurs du mal. Os efeitos retóricos e estilísticos do uso dos “raros vocábulos” vão para lá da sonoridade, produzindo estranhamento, ornatus de feição complicada e erudita obscuritas. Vê-se aqui o entrecruzar de referências da poesia francesa, confirmadas tanto no léxico como em formas praticadas (o rondel, a chanson de toile, etc.), mas também interferência de modelos da poesia latina,  patentes por exemplo nos vestígios de um bucolismo herdado de Virgílio e de Teócrito, ou na altivez de uma poesia que se quer “longe dos bárbaros” (título de um ciclo de poemas de Horas, de 91,com epígrafe de Petrónio em latim; esse título já aparecera no panfleto “Os nephelibatas” assinado pelo pseudónimo Luís de Borja, nome colectivo de Raul Brandão, Júlio Brandão e Justino de Montalvão). A originalidade constrói-se, afinal, sobrepondo matrizes tradicionais tanto temáticas como técnicas, implícitas e explícitas. Assinale-se neste quadro um veio retomado pelos modernistas: a sui generis presença da Bíblia, nomeadamente pelo tratamento das personagens femininas de hierática e gélida beleza, como a amada tematizada em Oaristos, princesa inatingível, retomada em Belkiss, Salomé e outras figuras muito tratadas na poesia europeia e portuguesa coetânea de Eugénio de Castro (basta lembrar as figuras femininas baudelairianas, por sua vez herdadas da “belle dame sans merci” medieval); sirva de exemplo em E.C. “A epifania dos Licornes” (Horas), que abre com um Kyrie eleison entre o sagrado e o profano, pois o sujeito visionário invoca, em toada de ladainha, uma senhora em que se sobrepõem a Virgem Maria, a “belle dame sans merci” e a “dame à la licorne” da lenda medieva, as frígidas senhoras de nórdica brancura, a esposa do Cântico dos Cânticos, a “voz” de uma melancólica figura de “mãos longas” que recita um angelus, a bordadeira de tempos abrandados que parece invocar a morte, etc.Ou então lembre-se a glosa do motivo simbolista de Salomé, que, com Belkiss, cruza as princesas tão inocentes como perversas herdadas de Oscar Wilde, Flaubert e Mallarmé, abrindo caminho ao drama estático por que Pessoa se interessará (cf. «Belkiss – Rainha de Sabá, de Haxum e do Himiar» poema dramático, 1894, e «Salomé», 1896). Ao falar do cruzamento de tradições em E. C., não podemos deixar de lado uma especial modulação da simbólica aristocracia do espírito patente na construção da figura do poeta como dândi, com raízes no ódio ao vulgo profano das odes horacianas, revisto à luz de Óscar Wilde  (prefácio à 2ª edição de Oaristos, 1899). Ostentando um tom de aparência ligeira e frívola, o dandismo mascara o domínio técnico da poesia patente nos prefácios de 1890 e 1891 e na mestria sem mácula que os textos dos anos noventa apresentam; os verdadeiros dândis são assim mesmo: por baixo dos ouropéis e da altivez esconde-se a competência poética e, porventura, um universo interior assombrado por inquietações que só o sujeito poético vê. Importa ainda considerar o léxico, tomando como exemplar o termo usado para titular a obra de 1890 – Oaristos, “raro vocábulo” explicado em epígrafe de Verlaine: “Ardent oarystis dont le dénouement chaste est plus brillant que tout autre imaginable…”; o termo grego significa “conversa íntima entre amantes” – e assim se produz a abrir o livro a obscuritas mencionada, criando um fio condutor para os poemas do livro, que podem ser lidos como sequência de situações de uma relação amorosa, situada em cenário fantasmaticamente imaginado, e ressoando de vozes que parecem deslizar como outros tantos corpos inefáveis; o ritmo abrandado dos versos reproduz estilisticamente o letargo da própria consciência (o que reencontraremos, por exemplo, no drama estático de Pessoa ”O marinheiro”). O modelo antigo deste tipo de poesia encontra-se, uma vez mais, em Teócrito, embora possa ter chegado a Eugénio de Castro pela leitura dos poetas franceses, pois além de Verlaine, expressamente citado (e autor de outros poemas em que o termo e o tema surgem também; veja-se nos Poèmes saturniens “Voeu”: “Ah! Les oarystis! Les premières maîtresses!(...)”); outros escreveram “oaristos” como André Chénier, Maxime du Camp, Vitor Hugo Charles Cros, etc.). Lembre-se a propósito a importante vertente epistolográfica de Eugénio de Castro, que se correspondia com os poetas franco-belgas seus contemporâneoos, aos quais solicitava colaboração; Verlaine, nomeadamente, tem poemas publicados em Arte: Revista internacional, 1895-96, revista dirigida por Eugénio de Castro e Manuel da Silva Gaio.  Em suma, no autor de Salomé há que reconhecero esforço para impor em Portugal uma poética simbolista, devedora tanto de Baudelaire (lembre-se que Les fleurs du mal data de 1857), quanto de poetas como Moréas, Laforgue, Verlaine, Rollinat, Mallarmé e Maeterlinck, ou de J.K.Huysmans e Barbey d’Aurevilly, alguns dos quais comparecem em epígrafes ou em dedicatórias dos livros de Castro; acrescentem-se a esta lista pelo menos mais dois nomes – Oscar Wilde e Gérard de Nerval, em particular o belo e tenebroso sujeito do soneto emblemático da melancolia oitocentista – “El desdichado” (in Les chimères, 1854), representação do eu distanciado do mundo e entregue à fantasmatização no seu ecrã interior (já presente, aliás nos sonetos de Antero).  O pendor para a meditação protagonizada por um sujeito solitário e que se afasta dos outros para contemplar a “Alma”, cenário interior dominado pelas tintas da melancolia, e propiciado pela dolência exterior do poente ou da noite alia-se à ênfase dada ao ritmo abrandado dos versos ou das estrofes que se apoiam em estruturas de repetição e variação, trabalhando com mestria ora o verso curto ora longo, harmonicamente cortado por cesuras de herança francesa (mormente o alexandrino de tripla cesura, já praticado em Vítor Hugo e afinado pelos simbolistas franceses), e apoiado na cadência de rimas regulares de feição complicada e erudita.

A herança de E.C. n’os de Orpheu é vasta, como se deduzirá desta sumária caracterização da sua poética; exemplifiquemos. Veja-se a Lídia de dois poemas de Silva (“Quo non ascendam?” e “Circe”), ou pense-se naqueles “lagos do jardim [que se] tornaram paúis” (“Semper eadem”) no nocturno cenário em que a alma suspira em monólogo; parece claro que Ricardo Reis e o paúlismo conhecem estes modelos e as respectivas raízes. Tenha-se agora presente uma das estrofes em que n’”A epifania dos licornes” se delimita a cena interior do eu – “Mordoraram-se as apoteóticas púrpuras da Luxúria. (…). Agora sou casto como um cenobita.”; vislumbra-se aqui um antepassado de versos e alguma prosa de Mário de Sá-Carneiro, assim ligado a esta trama de raros vocábulos de origem francesa que Castro adoptou, fazendo implodir a simbologia tripla do epíteto original “mordoré” (vejam-se poemas de Indícios de oiro como“Salomé”, e muitos passos quer de Céu em fogo quer de A confissão de Lúcio, nos quais este léxico e esta atmosfera se espelham). Ponha-se ainda diante dos olhos o poema em prosa de Silva com o título “As fiandeiras”, que, cruzando-se com Maeterlinck e com Mallarmé, compõe a rede de fontes que Pessoa viria a desenvolver no drama estático ”O marinheiro”. Note-se em “Baile de máscaras” (Silva, p.158/194) aquela dissociação entre o sujeito e a máscara que se lhe cola ao rosto, entre o riso e a imagem infantil de si, que tanto Sá-Carneiro como Pessoa viriam a tratar em numerosos textos. Pense-se enfim nos cinco poemas “Ficções do Interlúdio”, que Pessoa publicou no Portugal Futurista (1917), todos devedores da herança simbolista, tanto nas atmosferas e cenários, como nas cascatas sonoras e no vocabulário “raro” (por exemplo, no poema II – “Saudade dada”: “Em horas louras, lindas/ Clorindas e Belindas, brandas,/ Brincam no tempo das berlindas/ (….)”). A memória do Simbolismo nos poetas modernistas, indo muito para lá de E.C., deve-lhe muito no abrir dos caminhos da vanguarda e da vontade de fazer novo.  

Bibliografia

. Obras poéticas de Eugénio de Castro, edição completa e definitiva, dez volumes, Lisboa, 1927-1944.

. GUIMARÃES, Fernando. «Os 'raros vocábulos' e o Simbolismo», in Linguagem e ideologia, Porto, Inova, 1972,, pp. 111 - 118. 

. id. «CASTRO e Almeida, Eugénio de», in Biblos, volume 1, Lisboa /São Paulo, Verbo, 1995.

 

. PEREIRA, José Carlos Seabra.«No centenário de Oaristos», Colóquio - Letras, nº 113 - 114, Janeiro - Abril 1990; pp. 67 - 88.

 

 

Paula Morão