Identificação
Carta enviada de Paris, no dia 18 de Setembro de 1915.
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Paris – Setembro de 1915
Dia 18
Meu Querido Amigo,
Recebi os seus dois últimos postais: um antes de ontem – hoje o outro. Eu propriamente não atrasei a minha correspondência: motivo único duma série de dias sem lhe escrever: por durante eles também não chegarem notícias suas. Com efeito o correio ultimamente tem andado muito atrasado. Não imagina a pena que me fizeram os seus postais... Que lindo Orfeu 3 podíamos fazer! Que desgraça tudo isto! E o desgosto que com esta desilusão você sofreu. Juro-lhe, em inteira sinceridade que é isso o que mais me preocupa. Os seus poemas em inglês, os geniais «irritantismos» do Almada, o nome do António Bossa – e a minha série de versos com a «Serradura» à frente tão embirrenta e desarticulada... Não calcula a pena que eu tenho – pena pessoal, esta – de não poder publicar a minha série das 7 Canções, da «Serradura» e das duas poesias que hoje lhe remeto! Com efeito – não sei se já reparou – sem serem importantes, de primordial importância, elas – em conjunto – parecem-me ser novidade na minha obra. Novidade de pouca importância – bem entendido. Peço-lhe a sua opinião sobre os dois poemas que hoje lhe envio. O «Abrigo» é a sério. Acha bem aí o meu Paris? Não se esqueça de me dizer. Agora sobre a «Serradura»:
a) emendei a quadra que lhe desagrada assim:
ou:
O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca faria,
E fuma o seu cigarrinho...
– Em plena burocracia!...
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia...
Que lhe parece preferível? (O «E» pode também ser substituído por outro «Já».) A quadra em si não a elimino porque quero precisamente dizer o que nela digo. São com efeito «concessões» à normalidade o facto de hoje fumar e substituir aqui, frequentes vezes agora, a cerveja pelo vinho branco. Tudo isto é doentio – mas certo...
b) Aproveitando a poesia para os Indícios de Ouro devo eliminar a quadra do Dantas, não é verdade?
Perdoe-me a miudeza das perguntas, mas não deixe de responder a elas. E perdoe-me, sobretudo, ainda ter coragem para lhe mandar «literaturas» depois do nosso desgosto. Inevitável de resto, como por certo você concorda. Desculpe-se a todos comigo, repito. E resignemo-nos. Não se zangue comigo, suplico-lhe! Nada mais lhe tenho a dizer, meu querido Fernando Pessoa. Renovo todos os meus pedidos, todos os meus agradecimentos e todos os meus perdões com um grande abraço de toda a alma.
e mil saudades do seu, seu Mário de Sá-Carneiro
P. S. – Escreva-me, por amor de Deus.
Diga o que pensa sobre os versos de hoje.
O C. Ferreira não me escreveu. De resto ele dizer que vem a Paris
para o próximo mês, não quer, de facto, dizer que não venha mas de modo algum significa também o contrário... Amanhã dia trágico: «uma hora de música» no atelier do pintor-cantor Ferreira da Costa. Parece-me que vou adoecer dos intestinos...
Mil abraços
MSC
Como se escreve «Mansanilha»? Não se esqueça de me dizer. Nem tenho a certeza se é mansanilha ou massanilha...