Identificação
Carta enviada de Paris, no dia 23 de Junho de 1914.
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Paris, 23 junho 1914
Muito obrigado meu querido Amigo por todas as suas amabilidades: uma carta, um postal e o n.º da Águia. As minhas sinceras felicitações pelo nascimento do Ex.mo Sr. Ricardo Reis por quem fico ansioso de conhecer as obras que segundo me conta na carta repousam sobre ideias tão novas, tão interessantes e originais – e sobretudo grandes porque são muito simplesmente do Fernando Pessoa. Fico ansioso. – Pêsames pela queda do paul-humano: queda física que não pode atingir tal semideus.
Lepidopteria
Engraçadíssima de inferioridade os dizeres da Águia que mesmo não percebi bem quanto aos versos – ficando sem saber se a redacção aplaude a singularidade dos versos ou se a acentuação dessa singularidade «fez um livro singular» é uma ironia. Sobretudo aquelas clássicas duas ou três noites febris da Confissão de Lúcio marcam bem o lepidopterismo do crítico... – O Pascoais desata a chamar grandes poetas a todos os lepidópteros da França (vide Ph. Lebèsgue). O Nicolas Beauduin, futurista, porque o que há de novo e interessante no paroxismo é no fundo do Marinetti – receava eu, tinha certeza embora nada dele conhecesse que também roçasse as borboletas. Ora ontem justamente descobri numa revista, Le Parthénon, uma poesia dele, «Music-halls» (lembre-se como os futuristas acham-se beleza nos music-halls e gritam que os devemos cantar). A poesia é má, lepidóptero como burro. De resto comprei o n.º da revista para você ver. Simplesmente me esqueci ontem dele no restaurante, mas hoje ao jantar reclamá-lo-ei porque decerto o guardaram e assim dentro de poucos dias lho enviarei.
Gente – conhecida
Não vi mais o Santa-Rita. O Pacheco e o Franco mandam-lhe muitas saudades agradecendo as suas. O Pacheco vai-se embora breve para aí dentro de 15 ou 20 dias. Outro dia encontrei no meu quarto debaixo da porta o seguinte cartão:
G. Hotel Globe quarto 27
Júlio M. do Nascimento Trigo
Médico
apresenta os seus respeitosos cumprimentos
ao seu Ex.o colega não o tendo feito há mais
tempo por ignorar a sua presença neste
mesmo Hotel.
Isto para catalogar nas «Noções de Erro». Supus que este homem me quisesse pedir dinheiro emprestado, mas até hoje não tive mais novas dele, limitando-me a deixar-lhe um bilhete meu escrevendo por baixo do meu nome em grandes letras sublinhadas: «estudante de Direito».
Literatura
Você viu um postal em que iam uns versos em francês? Que demónio era aquilo? A propósito – aí vão outros – uma poesia talvez, mas por enquanto incompleta. Diga o que lhe parecem abstraindo de erros de ortografia possíveis:
Le trône d’Or de Moi-perdu,
S’est écroulé
Mais le vainqueur est disparu
Dans le Palais...
En vain je cherche son armure,
Ses oriflammes...
(Je ne Me suis plus aux dorures:
– Ai-je égorgé mes aigles d’Ame?...
Tout s’est ternie autour de moi
Dans la gloire.
– Ailleures, sanglant, mon émoi
Etait d’Ivoire.
Tous les échos vibraient couleur
Dans mon Silence,
Et comme un astre qui s’élance
Je montais – Aile de ma douleur...
J’étais la coupe de l’Empereur,
J’étais le poignard de la Reine...
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Je me revais aux heures brodées
Avec des tendresses de Page.
J’étais le roux d’Autres mirages
Pendant mes fiévres affilées...
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Eu em verdade não sei bem o que isto é? Paulismo, lepidopterismo ou outra coisa qualquer? Em suma – apontamentos...
É possível, meu querido Amigo, que tivesse mais coisas a dizer-lhe. Tinha decerto. Mas não me lembro e, de resto, hoje estou muito estúpido. Escreva sempre, mande as obras do Ricardo Reis e receba um grande, um gigantesco abraço d’Alma a Íris-Norte e o que você quiser
do seu confrade em paulismo e lugar-tenente interseccionista
o
Mário de Sá-Carneiro
Sossegue. Não iniciei Pacheco, Caeiro.
Saudades a todos os conhecidos e em especial ao C. Rodrigues.
Como você me escreveu do Café de France – eu faço o mesmo...
Classificação
Dados Físicos
Dados de produção
Dados de conservação
Palavras chave
José Pacheco
Côrtes-Rodrigues
Nicolas Beauduin
Júlio M. do Nascimento Trigo