Arquivo virtual da Geração de Orpheu

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Título de um ensaio incompleto e fragmentado de Fernando Pessoa, sobre o género policial, quase todo em língua inglesa. A assinatura da personalidade literária Charles Robert Anon, assim como a data de 6 de Abril de 1905, num dos testemunhos, indicam que se trata de um projecto dos primeiros tempos. A utilização do verso do manifesto Aviso por Causa da Moral, publicado em 1923, para redacção de outros fragmentos, indica que o projecto teve continuidade. Conhece-se a estrutura deste longo ensaio. Primeira parte:1. Popularity of detective stories and reasons for it. 2. What are detective stories? 3. Necessary points of these tales. 4. Obstacles in the way of detective story writers. 5. Deterioration of detective literature. Segunda parte:1. Edgar Allan Poe; 4. Conan Doyle; 5. A. Morrison and others. (Pessoa Por Conhecer, vol. II, Estampa, p. 192) . Os autores a incluir nos pontos 2 e 3 desta segunda parte foram riscados. Embora o ensaio tenha ficado incompleto, algumas questões são tratadas com maior profundidade. O autor menciona a popularidade deste género nas literaturas inglesa e americana, facto que as torna merecedoras de um ensaio sobre as leis e a lógica das detective stories. Considera que o estudo ainda não fora feito devido à classe de leitores deste tipo de obras: ou high critical, os altamente exigentes, ou low critical and the crowd, os de baixa exigência, as massas. Os primeiros consideravam as histórias sem valor, mal escritas por meros escrevinhadores, e os outros achavam-nas perfeitas. Pessoa divide o género policial em três categorias de crescente complexidade: a mystery story, a investigation story e a deduction tale. Acerca da primeira categoria, afirma que qualquer um que saiba escrever consegue produzir uma mystery story, bastando-lhe um bom mistério para tornar a história interessante. A segunda categoria, mais difícil, tem em Wills Crofts e Austin Freeman os principais representantes de duas correntes. Nos romances policiais de Wills Crofts, a investigação é natural e paciente; nos de Austin Freeman, a investigação é superior e científica. A última categoria, a detective story ideal, de pura dedução, é aquela em que os factos são apresentados ao leitor e o detective soluciona o problema a partir dos factos e sem sair da sua cadeira. Considera que o mais perfeito exemplo desta categoria é The Purloined Letter, de Edgar Allan Poe. Uma história de mistério (mystery tale) baseia-se no mistério, uma história de detectives (detective tale) baseia-se na decifração do mistério e, enquanto a primeira é imaginativa, a segunda é, na sua essência, intelectual. Pessoa menciona as inverted tales, em que o leitor conhece o criminoso e o interesse reside no processo de raciocínio do detective, citando, como exemplo, duas obras de Austin Freeman. A criação do desenlace final, com a surpreendente revelação do criminoso, é, segundo Pessoa, umas das maiores dificuldades com que o autor de policiais se confronta. Como o leitor deve possuir todos os factos relevantes para essa dedução, o autor de detective stories utiliza vários métodos, como a presença de coincidências, a inclusão de novas descobertas ou invenções, a sobreposição natural de um crime a outro, ou de um circunstância suspeita ou misteriosa a outra, a confusão, a deficiência ou o excesso de pistas e a criação de um criminoso anormalmente inteligente, que planeia um crime anormalmente hábil. Existem, de igual modo, várias formas de apresentar todos os factos ao leitor, sem revelar a solução: usar a ciência, ou um ramo de conhecimentos que o leitor desconhece, misturar a informação pertinente com elementos irrelevantes e extrair, da informação fornecida, uma conclusão que lhe está implícita, através de um raciocínio superior ao do leitor. É exemplo deste último caso o conto Marie Roget de Poe. O ensaio apresenta ainda diversas apreciações de autores como Edgar Allan Poe, Austin Freeman, Wills Crofts, Baronesa Orczy, Conan Doyle e H.G. Wells, mencionando obras específicas de forma crítica.

 

Gianluca Miraglia, «Pessoa e il Giallo». In Delitti di carta. Quaderni Gialli di

Racconti, Studi, Storie e Cronistorie, 2, Bolonha, 5/2004, pp. 61-72.

 

 

Ana Maria Freitas