Publicada em 1892, a principal obra de Max Nordau – Entartung (“Degenerescência”) – tornou-se rapidamente um best-seller da última década do século XIX. Lembrar alguns dos motivos que explicam a sua popularidade talvez não seja inútil para perceber o impacto que a obra teve no jovem Pessoa (ver a verbete dedicada a Nordau) e, em geral, na formação da geração modernista e no seu posicionamento em relação à literatura do fin de siècle.
Dos motivos que costumam invocar-se, conviria salientar dois.
Primeiro, Nordau englobou sob o mote comum fin de siècle diversas manifestações artísticas de vários autores europeus representativos do século XIX – alguns, ainda mal conhecidos na altura. Por isso, ao constituir o corpus da arte «degenerada», com grande erudição, também contribuiu indirectamente para a maior divulgação de numerosos autores, de Verlaine a Ibsen, de Kierkegaard a Nietzsche. (Neste sentido pode ler-se a declaração de Pessoa como sensacionista: «Na etiologia da nossa morbidez figuram todos os decadentes de todas as decadencias», Escritos sobre Génio e Loucura, IN-CM, 2006: 116.)
Segundo, Nordau ofereceu uma nova aplicação da crítica psiquiátrica à crítica estética, transferindo certos conceitos – nomeadamente o de degenerescência, numa época de suposta decadência – do campo da medicina ao campo da arte. Portanto, a sua obra impulsionou a voga de um certo tipo de estudos psico-patológicos durante os últimos anos do século XIX e os primeiros do XX. (No texto de Pessoa citado anteriormente encontra-se uma teoria da degenerescência em arte que tornaria substantiva a «morbidez» que Nordau arrazoara acidental: «Toda a producção artistica superior é, por sua natureza, um producto da decadencia e da degeneração», ibidem: 118.)
No seu breviário do fin de siècle, Nordau apresentou pela primeira vez a produção de alguns autores europeus a um público mais vasto e apontou os elementos de degenerescência que movimentos como o simbolismo, por exemplo, conteriam. Para os vanguardistas esse compêndio constituiu um texto de referência, mas também uma prova palpável da incompreensão com que outras novidades artísticas, no seu momento, já tinham sido recebidas.
Jerónimo Pizarro