Durante o século XX, a situação vivida no século anterior (que pôde assistir ao movimento do ballet europeu, mediante a actuação estável de bailarinos e coreógrafos internacionais) modifica-se inteiramente. As apresentações de grupos de bailarinos estrangeiros, excessivamente dispendiosas, tornam-se curtas e esporádicas. Ora, não existindo em Portugal uma verdadeira tradição de ballet clássico, e dada a insuficiência técnica da maior parte dos bailarinos portugueses – só no final do século XIX se cria, no Conservatório Nacional de Música, o Curso de Bailarinas (fechado à participação masculina até 1950), incapaz de proporcionar uma formação técnica e artística sólidas, mesmo sob a tutela de autorizados mestres, como Encarnación Fernandez (1913-1939) – a Dança em Portugal encontra-se, na época, grandemente condicionada ao que vem de fora. Nas primeiras décadas do século XX, o panorama do Bailado em Portugal sofre, também, com as adversidades que tocam o Teatro S. Carlos, desde o início do regime republicano, que, encerrado durante largos anos, praticamente desaparece da cena artística nacional.

Em Dezembro de 1917 (tendo passado já por Lisboa artistas como Laura de Santelmo, Pastora Império, Mimi Bluette, ou Loie Fuller) dá-se o grande acontecimento deste princípio de século, no âmbito da Dança em Portugal: a estreia dos famosos Balles Russes, no Coliseu dos Recreios. A companhia de Diaghilev, que suscita o entusiasmo do público lisboeta, não pôde porém despertar, entre nós, o aparecimento de uma verdadeira classe de bailarinos, nem de um grupo nacional de bailado. Esta passagem dos Ballets Russes proporciona no entanto, aos nossos artistas plásticos e musicais, um especial interesse pela arte da Dança.

Almada Negreiros, José Pacheco e Ruy Coelho, co-assinantes de um entusiástico manifesto anunciando Os Bailados Russos em Lisboa – onde se afirma que «a expressão de Arte Bailado não é inteiramente ignorada em Portugal», e se apresenta o reportório das criações baléticas do grupo: A Princesa dos Sapatos de Ferro, O Sonho da Rosa, História da Carochinha, Lenda d’Inês, Bailado da Feira e Joujous – reaparecem, logo após a partida de Diaghilev, associados a um espectáculo promovido por Helena Castelo Melhor, no Teatro S. Carlos. A 11 de Abril de 1918, representam-se assim dois bailados, ambos com música e libreto de Ruy Coelho: o Bailado do Encantamento (com cenários e figurinos de Raúl Lino, e coreografia de Almada, para o I acto) e A Princesa dos Sapatos de Ferro (com cenário de José Pacheco, e figurinos e coreografia de Almada, que também dança). No mesmo ano, Almada apresenta ainda O Jardim da Pierrette (com coreografia, cenários e figurinos seus, música de Grieg e Chopin, e argumento de Maria Madalena Moraes Amado), projecta A Rainha Encantada (de que se conhecem três figurinos e mais nada se sabe), coreografando, no Verão, O Sonho do Estatuário, dançado na Quinta das Laranjeiras. Também Luís Reis Santos (que viria a ser professor universitário, historiador, crítico de arte e director do Museu Machado de Castro), influenciado pelos Ballets Russes e sob o pseudónimo de Luís Turcifal, se revela na arte do Bailado, enquanto dançarino, estreando, em 1928, El Amor Brujo e Prélude à l’après-midi d’un faune.

Após a vinda dos Ballets Russes, logo em 1919, Lisboa assiste entusiasmada aos espectáculos da companhia de Anna Pavlova, começando, então, a passar e a fixar-se na capital portuguesa alguns artistas que muito contribuiriam para o desenvolvimento da arte da Dança no nosso país. Em meados dos anos 20, no Teatro Novo criado por António Ferro e José Pacheco, revela-se o primeiro bailarino e coreógrafo português, Francis Graça (sob o pseudónimo de Florêncio), que, tendo estudado música e teatro no Conservatório Nacional, prosseguira a sua formação em Paris, no âmbito da dança e da coreografia. Anos mais tarde, o então Secretário da Propaganda Nacional, António Ferro, entregaria a Francis Graça a direcção do primeiro grupo de bailados portugueses: os Bailados do Verde-Gaio.

Em Novembro de 1940, no âmbito da «Exposição do Mundo Português», dá-se a apresentação da companhia, criação, no âmbito da política de espírito de António Ferro, de um ballet essencialmente português (sobre temas portugueses, com música portuguesa, artistas portugueses, e colaboração de escritores e pintores portugueses) inspirado nas concepções de Diaghilev. Ora, carecido «de todas as bases regulares para a criação de um grupo de dança teatral», o Verde-Gaio «apoiava-se nas fórmulas pomposas produzidas pelo S.P.N.», tornando-se um «imenso vazio recheado com o creme político-nacionalista, que tirava a sua eficácia da própria publicidade que promovia» (SASPORTES 1970: 285-286). O Verde-Gaio conta, no entanto, a seu favor, e sobretudo no início, com a colaboração meritória de músicos como Ruy Coelho, e de artistas plásticos como Tom, Bernardo Marques, Carlos Botelho ou Milly Possoz.

 

 

Bibl.: RIBAS, Tomaz, «O Ballet em Portugal», in Adolfo Salazar, História da Dança e do Ballet, Lisboa, Artis, 1962; SASPORTES, José, História da Dança em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1970; Id., «Almada e a Dança», in Almada, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

 

Sara Afonso Ferreira