Quarto quadro de Deseja-se Mulher.
Dentro dos limites da fotografia, é possível ver alguns dos cenários, figurinos e adereços utilizados neste espectáculo.
Sobre os adereços de anjo, recordem-se as palavras de Vítor Silva Tavares:
Sentados lado a lado, eu abordo o Almada: «Mestre, tenho estado a pensar nos anjos. E não estou a ver nem daqueles miúdos vestidos de anjos das procissões; nem aquelas imagens dos chamados santinhos em que vemos os anjos.» E ele nada. Eu a ver se ele me adiantava qualquer coisa sobre a questão dos anjos e nada. E eu insistia: «Tenho pensado nisso. Tenho isso por resolver…» Ele arranca: «É muito simples. Vou-te contar como é. Estamos aqui. De repente, sai do palco, ali da esquerda, atravessa o palco à direita. Eu olho e digo: “Ahhh! Um anjo!” Estás a perceber?» «‘Tou: o mestre está aqui sentado. De repente sai uma coisa daquele bastidor do lado esquerdo, atravessa o palco, sai pelo bastidor do lado direito. O mestre olha e diz: “Ah! Um anjo!”» Diz ele para mim: «Estás a ver como percebeste?!» Animado por esta preciosa indicação do Almada, saí de lá com um grande ponto de exclamação na cabeça a dizer: «‘Tou lixado! Dali não sai nada! Isto ainda é pior. O Almada tem de ficar tão surpreendido que diga: “Ah! Um anjo!” Isto ainda é pior!» Andei uns dias muito angustiado, sem saber como é que havida de resolver a questão dos anjos. Um dia, estou no Conde Barão e passa um homem a vender cruzetas, cabides. Embrulhados numa guita, levava uns quantos cabides às costas. Eu olho para aquilo e vi o anjo! «Uhhh! Amigo, quanto é que custa cada cabide?» «Cinco paus.» «Dê-me já aí dois ou três cabides.» Comprei dois ou três cabides. Entretanto, os ensaios continuavam e aproximava-se o momento em que se tinha de fazer o ensaio geral. O resto das coisas já estavam feitas. Mas faltava-me o anjo. Numa noite, levo para casa cartolina, purpurina ou brilhantina, cola, essas coisas todas. Com um bocado de cartolina faço um cilindro e ponho na parte de cima da cruzeta. Como fica aberto da parte de cima: ripar. O que deu uma cabeleira barroca, cheia de caracóis. Duas bolinhas de papel de prata azul e uma bolinha de papel de prata vermelho: uma boca, dois olhos anjoarianos. Cabeça de anjo já havia: cabelo, olhinhos, boquinha. Muito bem. Cartolina: toca a desenhar uma asa e outra asa. Com a cola fazer os sinais das penas. Depois atirar lá para cima a brilhantina. Ficou aquilo tudo a brilhar. Depois era preciso fazer uma veste, uma gola em papel. Sempre tudo em papel. Papel e cartolina. Papel mais fininho, [uma gola] fazendo com a tesoura aqueles bordados de papel que também servem para as prateleiras e tal e tal. Depois um vestidinho em papel de seda e com purpurina. O actor agachado, pega na cruzeta e atravessa o palco. Como aquilo era tudo material muito leve, ficava tudo tschuuuuuuu... esvoaçante.
O Almada não viu nada disto. Isto foi feito durante a noite. Levei num táxi, com todo o cuidado os dois anjos. Quando chega o momento, estou eu sentado ao lado do Almada, mal os anjos aparecem, o Almada dá um pulo e diz: «Quero levá-los para casa!» «Nem pense, mestre! Tenho umas olheiras até aos joelhos.» «Eu levo-os para casa e tu fazes outros!» Aquilo foi uma luta! Ele queria levá-los para casa. E estávamos na véspera da estreia.
© José Marques
Fotografia gentilmente cedida por Teresa Amado.